Os fósseis mais antigos da vida?
É atribuída ao filósofo alemão Martin Heidegger a frase “as origens escondem-se sob os começos”! Esta citação adequa-se à questão de sabermos quando é que a vida terá surgido no nosso planeta. É uma questão ainda sem resposta definitiva e assim poderá continuar por muito tempo. É que para sabermos quando é que as primeiras formas de vida unicelulares surgiram, é preciso encontrar registos fósseis dessa ocorrência. E isso é muito pouco provável. É muito difícil identificar e encontrar em rochas, com milhares de milhões de anos, fósseis de células delimitadas só por uma membrana lipídica. A vida primordial dificilmente deixou assinaturas directas da sua existência. A procura tem, assim, de ser indirecta.
Apesar dessa dificuldade, têm vindo a ser descobertas estruturas minerais designadas por estromatólitos, encontradas na Austrália Ocidental, na África do Sul e na Gronelândia, em rochas muito antigas com idades estimadas entre 3500 milhões e 3700 milhões de anos. Os cientistas propõem que esses estromatólitos são o resultado da actividade microbiana que acumulou grãos de metais como o ferro. Diga-se, apropriadamente, que estas estruturas são actualmente também encontradas em fontes hidrotermais ricas naquele metal, no fundo dos oceanos, resultado da actividade de bactérias conhecidas que usam ferro no seu metabolismo energético.
Afinal, a vida microbiana deixa uma impressão mineral da sua existência. Eis um caminho para a descoberta das primeiras formas de vida unicelular!
Na revista Nature desta semana foi publicado um artigo (http://www.nature.com/nature/journal/v543/n7643/full/nature21377.html) cujo primeiro autor é o biogeoquímico Matthew Dodd, da University College de Londres, que apresenta a descoberta de microfósseis em rochas cuja idade é estimada entre 3770 milhões e 4280 milhões de anos! Estes microfósseis, só visíveis ao microscópio, que estavam aprisionados entre camadas de quartzo, são formados por pequenos filamentos e tubos compostos por óxidos de ferro. Os microfósseis foram encontrados em rochas que se encontram mais precisamente na costa da Baía de Hudson a Nordeste do Quebeque, no Canadá. Os autores do artigo propõem que terão sido formados por microorganismos, pois não encontraram alguma explicação geológica para a sua formação.
Assim sendo, estes microfósseis constituem a evidência mais antiga até agora descoberta da existência de vida na Terra. O espantoso, é que isto implica que a vida terá surgido no nosso planeta só algumas centenas de milhões de anos depois da sua formação, há cerca de 4500 milhões de anos!
Outro aspecto, muito interessante e surpreendente desta descoberta, é o de que a presença de óxidos de ferro implica que nessa época remota já existisse suficiente oxigénio molecular livre para reagir com o ferro. É tentadora a hipótese de a origem desse oxigénio molecular ser produto da actividade dessas formas primevas de vida.
Contudo, a associação descrita neste artigo de vida microbiana a estas estruturas minerais precisa de ser comprovada por outros cientistas, de forma independente. É assim que a ciência funciona. E opiniões contrárias já foram emitidas por alguns cientistas que não participaram na descoberta. Por exemplo, Nicola McLoughlin, uma especialista em paleontobiologia da Universidade Rhodes, na África do Sul, que não participou do estudo, referiu à BBC que "a morfologia desses supostos filamentos de ferro oxidado no norte do Canadá não é convincente” e não descarta propostas alternativas de origem geológica para a sua formação.
A ciência acende-se sob a luz da origem da vida!
António Piedade
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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