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“É essencial continuar a investir em Ciência”

23 Mar 2017 - 15h26 - 5.667 caracteres

Randy Schekman é professor de Biologia Celular e Biologia do Desenvolvimento na Universidade da Califórnia em Berkeley (UCB), nos EUA. Em 2013 venceu o Prémio Nobel em Fisiologia e Medicina, com James Rothman e Thomas Südhof, por descobrir os mecanismos envolvidos no tráfego vesicular, um sistema decisivo nas nossas células. Considera fulcral continuar a investir em ciência e que o ensino superior público não sofra cortes no financiamento.

 

 

Como começou o seu interesse pela Ciência?

Na escola primária gostava de astronomia e Ciência. As feiras de ciência captaram a minha imaginação – e ganhei alguns prémios. Tive o primeiro microscópio nessa altura e fiquei fascinado por ver o mundo natural ampliado. Durante o secundário fiz pequenos trabalhos, como cortar relvados e babysitting, para poder comprar um microscópio profissional, que foi o meu prazer privado no secundário. Guardava o dinheiro no armário do quarto. Por vezes, a minha mãe pedia-me dinheiro para ir à mercearia e, um sábado fui de bicicleta à Polícia dizer que fugi porque os meus pais tiravam-me o dinheiro poupado para o microscópio. Quando o comité do Nobel me pediu um artefacto do passado, enviei-o para Estocolmo, onde está no Museu do Nobel.

 

Como explica o que faz a crianças de 7 anos?

Começo por falar em leveduras, que conhecem dos fermentos. Digo-lhes que estes microrganismos usam o açúcar das uvas para fazer álcool. E que as células das leveduras crescem e dividem-se como as células do nosso corpo. Usamos as células das leveduras para perceber como funcionam as nossas células.

 

Consegue identificar um momento “Eureka!” na sua investigação?

Foi no verão de 1978, quando o meu aluno de doutoramento Peter Novick isolou o gene mutante sec1, afetado na secreção e onde as vesículas se acumulavam no interior da célula. Depois disso foram identificados vários genes para caraterizar muitos aspetos desse processo.

 

Acha que os cientistas correm menos riscos por se preocuparem demasiado com o financiamento?

Tem havido cortes substanciais. Parte do sucesso da Ciência é correr riscos. Há muitos cientistas pouco arrojados. O meu aluno de Doutoramento mais criativo foi David Baker, desenvolveu uma técnica inovadora que se revelou fundamental no meu laboratório.

 

Quais são os desafios atuais da Ciência?

Um deles é compreender o cérebro. Se eu começasse de novo, talvez estudasse um elemento desconhecido da cognição.

 

Encetou uma cruzada contra o uso da “escala de impacto” das grandes revistas científicas, como a Nature, Cell e Science.

Senti muitos anos que o uso do “fator de impacto” era nocivo para avaliar o financiamento dos projetos e a contratação de cientistas. Estamos a transferir a responsabilidade da investigação para os editores destas revistas, que não são cientistas profissionais. Isto está errado de várias formas. Estas revistas publicam por vezes artigos sensacionalistas. Mas há cientistas a achar que se não publicarem aí serão prejudicados. É preciso muita força de caráter.

 

Como foi a reação da comunidade científica à sua posição?

Alguns deram-me “palmadinhas” nas costas e depois criticavam-me por ter o Nobel graças a publicações nessas revistas. Quando fui editor da PNAS não quis saber de escalas de impacto. Vários cientistas e instituições assinaram já a DORA - San Francisco Declaration on Research Assessment, pelo fim do uso indiscriminado dessas escalas e pelo acesso livre às publicações científicas. Será uma longa batalha.

 

Há outras causas que o movam?

Defendo veementemente continuar a investir-se em ciência básica e fundamental. E defendo o ensino superior público, está sob ameaça, o que é trágico. O Estado deveria assegurar a maioria do financiamento e não colocar as instituições a aumentarem as propinas. Isto exacerba a polarização da sociedade.

 

Como reagiu quando recebeu o Nobel?

O telefone tocou às 1h20 da manhã. A minha mulher estava acordada e disse: “É agora!”. Levantei-me e pensei: “Provavelmente não!”. Era mesmo a notícia do prémio. Deram-me os parabéns e asseguraram que não era brincadeira. Acreditei, pois reconheci a voz, tinha participado com essa pessoa numa comissão. Fiquei uma hora a falar com a família, com alunos. O telefone não parou de tocar e o gabinete de imprensa da minha universidade ficou eufórico.

 

E agora?

Continuo muito excitado com a Ciência que fazemos e com a nova direção da minha investigação.

 

Entrevista conduzida por Sandra Paiva (é professora da Escola de Ciências da UMinho e foi professora visitante na Universidade de Califórnia Berkeley, com Prémio Fulbright e bolsa da FLAD) e Nuno Passos (Gab. Comunicação da UMinho)

 


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