Cometa Elenin: mais um fim do mundo... (2)
Da mesma forma que as erupções vulcânicas nos Açores eram chamadas de “mistérios”, os não menos misteriosos mas bem menos perigosos cometas também fazem o seu furor.
Apesar de muitos comunicados de observatórios astronómicos, agências espaciais e vários especialistas, a passagem do cometa Elenin, cuja aproximação máxima à Terra ocorre no dia 16 de outubro, continua a despertar, infelizmente, medos e apreensões.
Em Astronomia, frequente referimo-nos aos cometas com o termo ilustrativo “bolas de gelo sujo”. São de facto muito “sujos”, sendo mais pretos que o alcatrão e as suas formas assemelham-se a batatas disformes. Sendo então como que uns “icebergues pretos”, movendo-se lentamente pelo Sistema Solar, quando se aproximam do Sol a sua temperatura aumenta e os seus gelos entram em sublimação — passando do estado sólido para o estado gasoso — formando jatos e “cuspindo” poeiras criando assim a cabeleira e as caudas. Quando tal acontece, o cometa, anteriormente adormecido, entra em atividade, a sua fase verdadeiramente interessante. Empurradas pela pressão da radiação solar — cujo efeito até já foi utilizado para fazer “velejar” uma sonda espacial — e pelos eletrões e protões ejetados a mais de 1 milhão de kilómetros por hora pelo Sol, as caudas dos cometas apontam sempre na direção contrária deste último, independentemente do sentido do movimento do próprio cometa.
A título de exemplo, um cometa de 1 km de diâmetro à mesma distância do Sol que a Terra, quando ativo, perderá cerca de 1 tonelada por segundo, “emagrecendo” alguns centímetros por dia. Se se mantivesse sempre a essa distância do Sol duraria apenas uns 50 anos. Mas, tal como se aproximam lentamente do Sol, entrando em atividade, os cometas também se afastam para regiões mais frias voltando a ficar inativos até ao seu próximo regresso, “vivendo” assim bastante mais tempo. Recordemos o mais famoso cometa de todos os tempos, o cometa 1P/Halley, que fez a sua última passagem em 1986, tendo passado também em 1910, regressando em 2061. Porém, no total, a vida de um cometa periódico não deverá ser muito maior que 10000 anos.
Mesmo que um cometa não mais volte, ou que se desintegre e “evapore” por completo, deixará ainda para trás, por muitos milhares de anos, o seu rasto de poeiras. Poeiras essas que quando entram na atmosfera da Terra, a 30000 kilómetros por hora, se vaporizam por completo criando breves rastos brilhantes de luz conhecidos por estrelas cadentes. Todos os dias entram na atmosfera da Terra cerca de 40 toneladas de poeiras... e nenhum mal nos acontece.
A beleza de um grande cometa ofusca-nos facilmente, tão facilmente que não nos ocorre a sua importância. Os cometas são verdadeiros fósseis da formação do Sistema Solar. Armazenados a grandes distâncias do Sol, para além de Neptuno, na chamada Cintura de Kuiper — entre 30 a 50 vezes a distância da Terra ao Sol — ou na mais distante Nuvem de Oort — 10000 vezes ainda mais longe —, preservam congelados os compostos primordiais do nosso Sistema Solar. É necessário esperar que a gravidade do planeta Neptuno, ou de uma das estrelas mais próximas da Terra, os “empurre” para dentro do Sistema Solar, podendo assim tornar-se cometas ativos e permitindo-nos estudá-los com maior detalhe. Estudos indicam que no passado muitos cometas caíram na Terra, sendo responsáveis por uma parte da água que hoje temos, trazendo simultaneamente consigo grandes quantidades de matéria orgânica. Os cometas foram, muito provavelmente, um acelerador da vida na Terra se não mesmo o “gatilho” que despoletou o surgimento de vida.
O cometa Elenin apresenta um brilho cerca de 3 vezes abaixo do limite do olho humano. No entanto, com uns bons binóculos ou telescópio, se souber exatamente onde procurar, olhando para Este bem antes do nascer do Sol, poderá vislumbrar um pequeno pontinho enevoado, entre as constelações de Leão e Caranguejo e próximo do planeta Marte.
Ver um cometa é olhar para as nossas origens. É ver um fóssil de ingredientes fundamentais para a existência de vida. É ver uma fonte de estrelas cadentes que deixam as crianças sonhar. É ver um “mistério” da Natureza que nos revela num murmúrio de luz. O Elenin parece que nos sussurra impercetivelmente mas, felizmente, outros virão. Nesse dia, não esqueça de os ouvir.
© 2011 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
Nuno Peixinho
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