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Bioquímica: onde os objetos ganham vida

09 Nov 2017 - 15h20 - 3.545 caracteres
Género: Artigos. Áreas: Bioquímica
Por: Miguel Castanho

Podem peças Lego juntar-se ao acaso e formar uma construção com vida? A nossa intuição diz que não, mas a Bioquímica parece afirmar o contrário. Todas as formas de vida se baseiam numa unidade organizacional única, a célula. A célula tem ela própria essa propriedade tão intuitiva, mas tão difícil de definir, chamada vida. No entanto, a célula é formada por moléculas e as moléculas não têm vida, são inanimadas, como objetos. É este o fascínio da Ciência para os Bioquímicos: conhecer como as moléculas, inanimadas, se transformam entre si de forma auto-regulada, se replicam e formam estruturas complexas com capacidade para se adaptarem ao meio ambiente, isto é, como geram vida.

As moléculas não são como peças Lego; não interagem simplesmente umas com as outras por encaixes. As moléculas podem reagir de várias formas, dando origem a novas moléculas, transacionando energia, influenciando-se umas às outras, formando ciclos de reacção que se podem manter estáveis desde que confinados dentro de um espaço restrito. Terá começado assim a vida na Terra e todos somos herdeiros deste legado: todos os seres vivos são formados por células, todas as células se mantêm através de ciclos de reações, a que chamamos metabolismo e todas as células estão limitadas por membranas com características físico-químicas semelhantes. Estas características levam os Bioquímicos a acreditar que todas as formas de vida emanaram de eventos iniciais análogos.

Existe uma outra característica que une todas as formas de vida na Terra: o ambiente aquoso no interior das células. O interior das células não é propriamente líquido, mas é semelhante a um gel muito hidratado. Esta característica, reforça a ideia que todas as formas de vida emanam de origens comuns, mas vai mais além: coloca essa origem em meio aquoso. As zonas de actividade vulcânica no fundo do mar terão tido condições ótimas para acelerar o aparecimento de vida na Terra: rochas porosas onde algumas moléculas podem ficar confinadas, e temperaturas e pressões elevadas, facilitando a ocorrência de reações químicas.

Na atualidade, é grande o apelo entre bioquímicos para reconstituir o que se terá passado nos primórdios da vida, antes do aparecimento das células mais simples que conhecemos, as bactérias. Muitos bioquímicos procuram combinar as moléculas mínimas necessárias para que se organizem com as funções de uma “quase-célula”, ou seja uma proto-célula: um metabolismo mínimo, confinado num espaço concreto e capacidade para se replicar. Esta proto-célula será desconcertantemente simples, mesmo comparada com uma bactéria, mas será a primeira forma artificial de vida. Será como peças de Lego que se juntam ao acaso e formam uma construção com vida.

 

Miguel Castanho (Professor de Bioquímica -Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa)


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Miguel Castanho

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