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«Desenvolver uma tecnologia para armazenar energia é um grande desafio»

09 Abr 2018 - 13h28 - 7.721 caracteres

Entrevista a Gonçalo Pereira, Pós-Doutorando no Institute for Data, Systems, and Society (IDSS) do Massachusetts Institute of Technology (MIT).

 

«Da realidade que conheço, a investigação desenvolvida em Portugal tem qualidade técnica mundial. É surpreendente o que se faz com os recursos disponíveis. Não tenho dúvidas que um estudante que sai das melhores universidades portuguesas é tão ou mais capaz do que um que venha de uma universidade de topo dos Estados Unidos.»

 

Entrevista:

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Eu estudo tecnologias de armazenamento de energia (baterias) usadas em conjunto com energias renováveis. Analiso baterias como as que existem num telemóvel, num carro, ou em fase experimental desenvolvidas nos laboratórios do Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), onde trabalho como investigador (Postdoc). Dando um exemplo prático, para uma casa é possível determinar o custo e características de uma bateria que fosse capaz de trazer reduções na factura de electricidade. Este tipo de informação permite-nos ajudar o desenvolvimento das tecnologias.

A minha investigação não é exclusivamente associada a casas e analiso várias escalas e aplicações, para diferentes políticas energéticas. A mesma tecnologia que é indicada para uma casa pode não fazer sentido para uma fábrica, ou um carro eléctrico. O mesmo acontece em termos de políticas energéticas, os incentivos para armazenamento estático (casas, fábricas) não são os mesmos que para armazenamento móvel (carros eléctricos).

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

As consequências das alterações climáticas são uma realidade que não podemos evitar a curto prazo. Estas consequências causarão, provavelmente, movimentos migratórios, uma redução de aquíferos e terra arável. Estes factores poderão desestabilizar os equilíbrios geopolíticos existentes, levando a possíveis guerras pela luta de recursos e a grandes perdas de vida humana. Teremos que alterar a forma como consumimos e produzimos energia útil para atenuar, ou mesmo evitar, algumas dessas consequências.

O consumo e a produção são problemas intrinsecamente ligados. Do lado do consumo, o aumento da eficiência energética e a gestão do consumo têm sido tópicos muito pertinentes. Contudo, mesmo atingindo um consumo mínimo, essa energia deverá originar de fontes renováveis com um baixo (ou zero) nível de emissões. Ao nível da produção, temos observado progressos monumentais na redução de custos e aumento do desempenho das tecnologias solares e eólicas. O problema é o desfasamento temporal entre o consumo e a produção; não consumimos energia apenas quando o sol brilha ou o vento sopra. Desenvolver uma tecnologia que nos permita armazenar energia de forma eficiente e barata é um grande desafio. O armazenamento de energia é apenas umas das ferramentas que teremos de ter ao nosso dispor para combater eficazmente as alterações climáticas e evitar consequências ambientais.

 

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

 

Fiz o meu doutoramento no Instituto Superior Técnico, no âmbito do programa MIT Portugal. Neste programa somos expostos a várias realidades de investigação, tanto em universidades nacionais como internacionais, como o MIT. Os programas doutorais oferecidos em parceria com universidades internacionais apresentam grandes vantagens neste aspecto. Durante o meu doutoramento fiz uma curta visita ao MIT que me abriu as portas para um convite quando já trabalhava na indústria. Não foi uma decisão fácil de tomar mas acabei por aceitar.

As maiores diferenças entre as realidades portuguesa e norte-americana são o financiamento disponível e a ligação próxima entre indústria e a academia. O MIT é um microclima do financiamento académico e empreendedor, há claramente mais oferta do que procura. É uma “máquina” extremamente eficiente a promover a investigação que desenvolve para uma audiência mundial. A academia é vista como uma reserva de talento pelas empresas e essa relação simbiótica permite à academia aceder a mais financiamento e a problemas práticos, e à indústria aceder a investigação de ponta, com custos de I&D muito inferiores.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

Da realidade que conheço, a investigação desenvolvida em Portugal tem qualidade técnica mundial. É surpreendente o que se faz com os recursos disponíveis. Não tenho dúvidas que um estudante que sai das melhores universidades portuguesas é tão ou mais capaz do que um que venha de uma universidade de topo dos Estados Unidos.

O meu uso da palavra técnica não foi acidental; penso que ainda há falhas em formação de áreas não-técnicas. Por exemplo, os alunos no MIT são muito treinados em comunicação oral, escrita e visual. A lógica é simples, podem ser os melhores cientistas do mundo, mas se não souberem comunicar o seu trabalho, ninguém os irá perceber. Se a ciência não é devidamente comunicada é como se não existisse. Penso que as universidades acabam por sofrer um pouco disso (e com isso). Um estudante/cientista/professor que não sabe comunicar o seu trabalho é uma oportunidade perdida para divulgar a universidade em que se insere. Já existe um esforço inicial com a criação de gabinetes de comunicação nas universidades portuguesas, mas nesse aspecto podemos ainda melhorar.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

O GPS tem sido uma excelente ferramenta para networking. Antes do GPS não havia nenhuma plataforma que me permitisse ligar a outros portugueses que desenvolvem ciência pelo mundo. Com essas ligações foi-me possível não só partilhar contactos mas também ajudar novos investigadores a navegar os desafios inerentes à mudança de vida de um continente para outro.

           

Consulte o perfil de Gonçalo Pereira no GPS – Global Portuguese Scientists.

GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

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