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As terapias alternativas não são alternativa no cancro

25 Jul 2018 - 14h52 - 5.304 caracteres

Há cerca de um ano foi publicado um estudo (o primeiro na área), demonstrando que os doentes com cancro que recorrem em primeiro lugar às terapias alternativas em detrimento da medicina convencional têm 2.5 vezes maior probabilidade de morrer. No caso do cancro da mama, esse valor era 5 vezes superior.

Agora, recentemente, a mesma equipa de investigação fez uma avaliação ligeiramente diferente. E se as pessoas recorrerem à medicina convencional, mas forem seguidos por terapeutas alternativos de forma “complementar”? Bem, nesse caso os autores concluíram que as pessoas têm o dobro da mortalidade em comparação com os doentes que são seguidos apenas pela medicina convencional. Ou seja, esta “complementaridade” é altamente deletéria para os doentes oncológicos.

Mas porque é que isto acontece? Segundo o estudo, está relacionado com a recusa mais frequente dos tratamentos oferecidos pela medicina convencional (radioterapia, quimioterapia, cirurgia ou hormonoterapia). E isso, muitas vezes, é uma sentença de morte. A razão pela qual essa recusa é superior não foi abordada por este estudo. No entanto, tendo em consideração a posição dos terapeutas alternativos relativamente a determinados tratamentos (como a quimioterapia), é possível que haja uma influência destes profissionais para que os doentes recusem estes tratamentos.

A comunicação social também é responsável por parte desta fobia. Por exemplo, uma notícia publicada recentemente na Visão, intitulada “Quimioterapia pode fazer o cancro alastrar e ressurgir ainda mais agressivo“ é extremamente enganadora relativamente ao papel da quimioterapia no tratamento do cancro.

É que abrindo o artigo da Visão, percebemos que afinal se refere apenas ao cancro da mama. E fala apenas da quimioterapia neoadjuvante (utilizada antes da cirurgia para reduzir o tamanho do tumor e aumentar a probabilidade de cirurgia conservadora da mama). De facto, uma análise à evidência publicada no British Medical Journal refere que temos que repensar a quimioterapia neoadjuvante no cancro da mama, já que não diminui a mortalidade e parece aumentar a recorrência local de cancro. No entanto, outra análise publicada no The Lancet refere que temos que pensar na quimioterapia neoadjuvante para lá do benefício relativamente à mortalidade. A questão é que a quimioterapia neoadjuvante leva a um maior número de cirurgias conservadoras da mama, algo extremamente positivo para as mulheres. Além disso, não há certezas quanto ao aumento da recorrência de cancro ou aumento de risco de metastização utilizando a quimioterapia neoadjuvante, de momento. Isso será algo que os investigadores irão esclarecer no futuro.

 

Mas afinal, como tem evoluído o tratamento do cancro da mama?

Um estudo publicado em 2015 demonstrou que entre 1975 e 2010, a mortalidade por cancro da mama diminuiu 34% nos EUA. Entre 1975 e 2002, a sobrevivência a 10 anos aumentou 28%. Isto são resultados muito animadores.

A maioria das pessoas poderá pensar que esta melhoria observada se deve sobretudo à implementação do rastreio do cancro da mama e a uma deteção mais precoce da doença. No entanto, segundo um estudo publicado em 2015, a melhoria é sobretudo graças à melhoria do tratamento. Que inclui também a quimioterapia. Só a quimioterapia foi responsável por uma diminuição da mortalidade por cancro da mama na ordem dos 20-25%, segundo uma meta-análise publicada no The Lancet em 2011. Aliás, verifica-se que o simples atraso do início da quimioterapia tem consequências em termos de sobrevivência, principalmente quando o cancro da mama é de um subtipo agressivo (artigo e artigo).

Mas estas melhorias não se verificam apenas no cancro da mama. É uma evolução à qual assistimos na grande maioria dos cancros. Por exemplo, entre 1990 e 2014, houve uma diminuição da mortalidade por todos os cancros na ordem dos 25% nos EUA.

 

Concluindo

 

O cancro é uma doença horrível e, infelizmente, muitas pessoas irão falecer da doença. E obviamente que os tratamentos têm efeitos secundários extremamente deletérios e em alguns casos pode mesmo levar à morte do doente. Mas infelizmente é o melhor que temos para oferecer aos doentes. Não há “alternativa” a estes tratamentos, de momento. Não há energias, rezas, acupunturas, chazinhos, dietas ou meditações que consigam tratar cancro. E se alguém disser o contrário, fuja…pela sua saúde, não se deixe enganar por essa gente.

 

João Júlio Cerqueira (www.scimed.pt/)


© 2018 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


João Júlio Cerqueira

Nascido a 27 de Agosto de 1985, Natural do Porto.

Licenciatura em Medicina pela Faculdade de Medicina do Porto
Mestrado Integrado em Cronoterapêutica
Médico Especialista em Medicina Geral e Familiar
Especialista em Medicina do Trabalho

Orador TEDxPorto, edição de 2018

Defensor do método científico e na medicina baseada na evidência
Dedicado ao estudo e refutação científica das medicinas alternativas desde 2013

Criador do projeto Scimed (https://www.scimed.pt/), com o objetivo de promover a literacia em saúde da sociedade portuguesa.


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