Estudar o passado distante para compreender a actual biodiversidade insular
Um novo estudo agora publicado na revista Global Ecology and Biogeography (https://doi.org/10.1111/geb.12835), envolvendo mais de 50 ilhas oceânicas vulcânicas de todo o mundo, demonstrou que os atuais padrões de biodiversidade destas ilhas só podem ser adequadamente explicados considerando a variação do nível do mar ao longo dos últimos 800 mil anos. Esta conclusão contradiz a maioria dos estudos na área, que consideram apenas níveis do mar extremos registados num passado recente, há cerca de 20 mil anos.
No curto espaço de tempo da nossa vida, as ilhas parecem ser entidades (quase) estáveis. Mas, ao longo de milhares de anos, as ilhas são na verdade bastante dinâmicas: as grandes flutuações do nível do mar causadas pelas mudanças climáticas do passado causaram grandes flutuações na sua área e tornaram-nas mais ou menos isoladas entre si.
Flutuações do nível do mar
Durante os ciclos climáticos, o nível do mar flutua entre dois extremos: bastante baixo durante os períodos frios e bastante alto durante os períodos quentes. Hoje em dia o nível do mar é relativamente alto, mas durante grande parte dos últimos milhões de anos o clima foi mais frio e, por consequência, o nível do mar era mais baixo do que atualmente.
Há muito que na comunidade científica se sugeria que estes processos teriam influenciado a riqueza e distribuição geográfica das espécies que atualmente habitam estas ilhas. No entanto, a maioria dos estudos tem ignorado a importância da duração dos períodos correspondentes a diferentes níveis do mar no passado. Os estudos anteriores têm-se concentrado nos níveis do mar atuais, ou considerado um período específico e de curta duração do passado recente da Terra como determinante para os padrões atuais de biodiversidade: o Último Máximo Glacial (Last Glacial Maximum, em inglês), um período excepcional que teve lugar há cerca de 20 mil anos quando os lençóis de gelo se encontravam na sua maior extensão e, portanto, os níveis do mar se encontravam extremamente baixos. Tanto as condições ambientais que se observaram durante o Último Máximo Glacial, como as que se observam no período quente atual, são excepcionais e de curta duração.
Configurações dos arquipélagos
“As ilhas oceânicas vulcânicas são locais excelentes para estudar o papel das flutuações do nível do mar a longo prazo na modelação dos padrões de biodiversidade, pois são habitadas por muitas espécies endémicas, que não ocorrem em mais nenhum lugar do mundo. Muitas vezes estas espécies endémicas evoluíram numa ilha ao longo de grandes escalas de tempo e, portanto, experienciaram vários ciclos de subida e descida do nível do mar”, explica Sietze Norder, primeiro autor deste estudo e estudante de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (cE3c) da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e igualmente orientado por um investigador do Grupo da Biodiversidade dos Açores (Universidade dos Açores).
Para este estudo, a equipa internacional de vinte investigadores analisou dados sobre 53 ilhas oceânicas vulcânicas de 12 arquipélagos de todo o mundo, incluindo as Galápagos, as Canárias, o Havai, os Açores e a Madeira. Os dados sobre a riqueza de espécies de caracóis terrestres e plantas com flores – as espécies analisadas neste estudo – foram compilados a partir de artigos científicos e bases de dados de distribuição de espécies. As configurações das ilhas para diferentes níveis do mar foram obtidas de uma base de dados global de ilhas, recentemente desenvolvida.
Modelando a biodiversidade
A combinação desta informação com dados sobre a ocorrência de milhares de espécies permitiu aos investigadores explorar o papel da dinâmica ambiental do passado na definição dos padrões atuais de biodiversidade. Estes resultados revelam a importância de considerar a duração e a frequência de diferentes configurações dos arquipélagos no passado: “Torna-se claro que a influência dos níveis do mar nos padrões de biodiversidade em ilhas remonta a um passado muito mais distante do que pensávamos”, conclui Sietze Norder.
Referência do artigo:
Norder SJ et al. (2018) Beyond the Last Glacial Maximum: Island endemism is best explained by long-lasting archipelago configurations. Global Ecology and Biogeography, 2018;00:1–14. Disponível em https://doi.org/10.1111/geb.12835
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