PO.RO.S: um Museu sobre o Romano
As Ruínas de Conímbriga, e o correspondente Museu Monográfico, são amplamente conhecidas e visitadas durante todos os dias do ano: trata-se de um dos locais da cultura com maior afluência de público fora das portas da cidade de Lisboa. Neste entorno, e sendo a presença romana uma realidade premente e expressiva, o Município de Condeixa entendeu pertinente converter um espaço altamente simbólico da Vila – a Quinta de São Tomé, na casa que dá conta do Portugal Romano em Sicó. PO.RO.S significa, portanto, Museu Portugal Romano em Sicó: sendo Sicó um território constituído por seis concelhos marcados pela serra que lhes dá um timbre místico assinalável – Condeixa-a-Nova, Alvaiázere, Ansião, Soure, Penela e Pombal.
Apesar da circunscrição geográfica que o nome do Museu contém, a sua constituição proporciona uma viagem pela História integral do Império Romano, o que o Túnel do Tempo, passagem por onde inicia a visita, metaforiza. Propõe-se viajar ao Passado com os recursos do Futuro: a marca digital responde, assim, às linguagens que caracterizam a época em que nos encontramos. Atravessado o Túnel e, logo a seguir, imersos em imagens que propõem ainda a regressão temporal, os/as visitantes acedem à sala inicial, aquela que dá conta da formação do Império Romano e sua extensão. Após o impacto do “ouro sobre azul”, sucedem-se diversas salas, dispostas em dois pisos, cada uma delas com enfoque temático preciso: desde as Legiões, a que enfatiza a organização militar dos romanos, passando pela Urbe, a que dá conta do seu arrojo construtivo, seguindo mais à frente pela da Intimidade e Vida Privada, já no piso da entrada, e onde agora nos vamos deter.
Cada sala possui uma dupla-chave de acesso, sintetizada numa expressão romana que perdurou até aos nossos dias e patente numa pergunta retórica: é para a da sala da Intimidade e Vida Privada que vos chamaria a atenção. Dupla-chave: expressão – “À Mulher de César não basta ser, terá que parecer” e pergunta “Sabias que? competia ao pai de família decidir se aceitava, ou não, as crianças recém-nascidas?” Entretanto, no chão do primeiro espaço desta sala dispõe-se uma réplica de mosaico, no caso, Labirinto do Minotauro, aliás, cujo original pode precisamente admirar-se nas Ruínas de Conímbriga. A partir da dupla-chave e do Labirinto do Minotauro gostaria de vos colocar perante um dilema concreto. Segundo o que Giorgio Colli nos transmite em O Nascimento da Filosofia e ancorado num fragmento que resgata a Platão, o mito do Labirinto trata de uma questão dilemática no que respeita a complexo jogo racional; creio que se nos ativermos à dupla-chave enunciada estaremos perante algo semelhante. Assim: por um lado, o poder paternal (patria potestas) enunciado na sua capacidade de decidir sobre a vida do/as que nasciam; por outro lado, a exposição pública do feminino, personificada pela mulher de César. Ou seja, sendo o homem ancestralmente associado à esfera pública e a mulher à do mundo privado, aqui se deixa enunciado que o pai de família (pater familias) era figura central e omnipotente; todavia, e simbolicamente, a sua imagem pública, encarnada em César, necessitava da confirmação de todo um teatro social em que a mulher era crucial. Por tal, conclui-se que a mulher esteve, desde pelo menos o Império Romano, radicalmente exposta em termos públicos, mormente fragilizada na sua capacidade de decisão.
O PO.RO.S – Museu Portugal Romano em Sicó foi reconhecido há bem pouco tempo com o Prémio Heritage in Motion, o que reforça o arrojo do seu plano museográfico. Está, portanto, construído no que em tempos foi a Quinta de São Tomé, lugar estratégico da Vila de Condeixa, preservando as linhas arquitectónicas que vêm da feição que o século XIX imprimiu ao edifício, embora a primeira construção remonte ao século XVI, mas de que não restam vestígios. Na Quinta de São Tomé existiram moinhos de água, uns dos muitos que em tempos enxamearam a Vila: Condeixa é conhecida pela abundância de água e vegetação frondosa, sendo que no dealbar do século XX eram vários os pintores que se instalavam aqui para fixar em paisagem de tintas o que olhos alcançavam, e a mão traduzia. A revolução urbanística que conheceu nos últimos anos circunscreveu os “espaços verdes”, mas não lhe retirou o riso faiscante do “pôr-do-sol”.
Cláudia Ferreira (historiadora)
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Cláudia Ferreira
Cláudia Ferreira é natural de Coimbra. Licenciada em História/var. História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo frequentado Estética e Filosofia da Arte na FLUCL, em Lisboa, sendo nessa mesma cidade que viria a concluir o mestrado em Estudos sobre a Mulher – As Mulheres na Sociedade e na Cultura, concretamente, na FCSH da Universidade Nova de Lisboa, para, em 2019, obter o doutoramento em Estudos Contemporâneos na Universidade de Coimbra com a tese intitulada O Rosto das Horas: do feminino e do masculino, com a arte. É investigadora do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX – CEIS20 e desempenha as funções de Técnica Superior na Câmara Municipal de Condeixa.
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