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Há Biologia na Tabela Periódica?

18 Mar 2019 - 18h50 - 6.565 caracteres
Género: Artigos. Áreas: Biologia, Química
Por: José Matos

Estamos no ano Internacional da Tabela periódica dos elementos químicos. Esta é uma oportunidade para se refletir sobre os muitos aspetos da Tabela Periódica, entre os quais a sua relação com a Biologia.

A Biologia é a ciência que estuda a vida. E como se define a vida? Uma propriedade partilhada pelos seres a que chamamos seres vivos? De uma forma relativamente generalizada é aceite que os seres vivos partilham algumas funções que os definem:  ordem, resposta a estímulos, reprodução, adaptação, crescimento e desenvolvimento, regulação, homeostase, e processamento de energia.

Estas funções essenciais à vida dependem muito dos constituintes de cada organismo vivo. Ao seu nível mais fundamental, os organismos são constituídos por matéria, ou seja, ocupam espaço e possuem massa e, como matéria que são, são compostos por moléculas organizadas a partir de elementos químicos. Cada elemento da matéria viva possui propriedades únicas e ocupa o seu lugar entre os elementos que constituem a tabela periódica. Mas dos 118 elementos da tabela atual, apenas 92 existem naturalmente, e destes, apenas 30 fazem parte dos constituintes das células vivas.

Os elementos carbono, hidrogénio, nitrogénio, oxigénio, enxofre, e fósforo são os elementos chave da construção das moléculas que encontramos nos seres vivos. Estes são os elementos base das moléculas da vida tais como os hidratos de carbono, ácidos nucleicos, proteínas e lípidos que são os componentes moleculares fundamentais de todos os organismos.

Em termos de abundância no universo, o carbono é o quarto elemento mais abundante e talvez por isso seja um componente fundamental das moléculas da vida. Por exemplo, cada molécula de glicose, contém 6 átomos de carbono e cada átomo de carbono está agrupado com oxigénio e hidrogénio, acumulando nas ligações químicas energia que é libertada durante o metabolismo das células. A proporção de átomos de hidrogénio em relação aos de carbono é geralmente superior a 1. O hidrogénio é o elemento mais abundante em todo o universo e está presente em praticamente todas as moléculas orgânicas. Por outro lado, o oxigénio é o terceiro elemento mais abundante no universo, estando presente em proporções elevadas nos hidratos de carbono onde desempenha um papel vital na respiração aeróbica e na libertação de energia e subprodutos dióxido de carbono e água.

Embora se tenha dado o exemplo de um açúcar (glicose), como molécula orgânica, a importância dos ácidos nucleicos na regulação de todas as funções vitais é bem conhecida. O ácido desoxirribonucleico (DNA) integra na sua composição cinco dos mais importantes elementos químicos: carbono, nitrogénio, hidrogénio, oxigénio e fósforo. O DNA é uma molécula complexa, com uma estrutura complexa que resulta do equilíbrio entre a energia acumulada nas ligações químicas que mantêm a molécula e a energia necessária para degradar a mesma molécula.

Se procurarmos os principais elementos atómicos constituintes dos seres vivos na Tabela periódica encontramo-los no grupo dos não metais. Contudo, os elementos metálicos são extraordinariamente importantes para o desenvolvimento e evolução dos sistemas biológicos como por exemplo o papel do Ferro na molécula da Hemoglobina (molécula constituinte do sangue e responsável transporte do oxigénio pelo sistema circulatório) ou do Magnésio na clorofila (molécula presente nas plantas que desempenha um papel fundamental no processo de fotossíntese e produção de oxigénio).

Todas as reações químicas que se realizam nos organismos vivos entram em conta com as propriedades químicas de cada molécula. Os seres vivos possuem moléculas com atividades catalíticas que estimulam a ocorrência de determinadas reações. E muitas destas moléculas catalíticas necessitam de elementos específicos da Tabela periódica, embora muito menos abundantes no Universo, para se organizarem e existirem na configuração específica que permite a sua função no organismo vivo. A configuração específica das moléculas dos sistemas vivos depende do controlo da entropia num ambiente fechado que é um organismo vivo. É a energia contida nas diversas moléculas que permite baixar a entropia dos seus sistemas e manter uma ordem que permite o funcionamento dos organismos vivos. Esta ordem é uma das funções que caracteriza a vida. Em teoria, as moléculas da vida poderiam ter silício como elemento base, logo abaixo na coluna do carbono, no entanto o silício não apresenta a diversidade de formas e propriedades do carbono.

 

Tal como a vida, a tabela periódica continua ainda a surpreender. Mendeliev, em 1865 conseguiu prever a existência de elementos não detetáveis com a instrumentação da época. Também os sistemas vivos, graças à evolução da ciência e da tecnologia terão ainda muitos processos por revelar. Numa altura em que o planeta se debate com novos desafios como as alterações climáticas, as reações químicas de adaptação a diferentes estímulos e a capacidade para manter a ordem biológica poderão ser a chave para a sobrevivência de muitas espécies. Ou não fossem os seres vivos, componentes ordenados do Universo.

 

Fernanda Simões e José Matos (Bastonário da Ordem dos Biólogos)


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José Matos

Bastonário da Ordem dos Biólogos, Coordenador das Olimpíadas Nacionais de Biologia, em Portugal e Presidente das Olimpíadas Ibero-americanas de Biologia


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