Busca de planetas do tipo terrestre no sistema estelar mais próximo de nós
Instrumento de busca de planetas recém-construído instalado no Very Large Telescope do ESO, no Chile, inicia campanha de observação de 100 horas das estrelas próximas Alfa Centauri A e B, com o objetivo de obter a primeira imagem direta de um exoplaneta habitável.
O Breakthrough Watch, um programa astronómico global que procura planetas do tipo terrestre em torno de estrelas próximas, e o Observatório Europeu do Sul (ESO), a principal organização astronómica intergovernamental europeia, anunciaram em Junho a “primeira luz” de um novo instrumento de busca de planetas montado no Very Large Telescope do ESO, no deserto do Atacama, Chile.
O instrumento, chamado NEAR (Near Earths in the AlphaCen Region), foi concebido para procurar exoplanetas no nosso sistema estelar vizinho, Alfa Centauri, nas “zonas habitáveis” das suas duas estrelas semelhantes ao Sol, onde a água poderá potencialmente existir em forma líquida. O instrumento foi desenvolvido nos últimos três anos e construído em colaboração com a Universidade de Uppsala na Suécia, a Universidade de Liège na Bélgica, o Instituto de Tecnologia da Califórnia nos EUA e o Telescópio Óptico Kampf em Munique na Alemanha.
Desde o dia 23 de Maio de 2019 que os astrónomos do Very Large Telescope do ESO (VLT) levaram a cabo uma campanha de observação de 10 dias para estabelecer a presença ou ausência de um ou mais planetas no sistema estelar. As observações terminaram no dia 11 de Junho último. Os planetas no sistema (que sejam pelo menos duas vezes maiores que a Terra), a existirem, deverão poder ser detectados com esta instrumentação melhorada. O intervalo de comprimentos de onda observado, do infravermelho próximo ao infravermelho térmico, é significativo já que corresponde ao calor emitido por um candidato a planeta, possibilitando assim aos astrónomos determinar se a temperatura do planeta permitirá a existência de água líquida.
O sistema Alfa Centauri é o mais próximo do nosso Sistema Solar, situando-se a cerca de 4,37 anos-luz de distância. É constituído por duas estrelas do tipo do Sol, Alfa Centauri A e B, e uma estrela anã vermelha, Proxima Centauri. O conhecimento atual que temos dos sistemas planetários de Alfa Centauri é escasso. Em 2016, uma equipa de investigadores utilizou instrumentos do ESO para descobrir um planeta do tipo da Terra em órbita de Proxima Centauri. No entanto, Alfa Centauri A e B permanecem ainda variáveis desconhecidas; não é claro quão estáveis serão tais sistemas binários para planetas do tipo terrestre e por isso a maneira mais promissora de estabelecer se tais planetas existem é tentar observá-los.
Obter imagens destes planetas é, no entanto, um desafio tecnológico grande, já que a luz estelar que é refletida pelos planetas é geralmente milhares de milhões de vezes mais fraca do que a luz que nos chega diretamente das estrelas hospedeiras; conseguir distinguir um pequeno planeta próximo da sua estrela progenitora a uma distância de vários anos-luz pode comparar-se a conseguir ver uma borboleta de traça a voar em torno de um candeeiro de rua a uma distância de várias dezenas de quilómetros. Para resolver este problema, em 2016 o Breakthrough Watch e o ESO iniciaram uma colaboração focada na construção um instrumento especial chamado coronógrafo infravermelho térmico, o qual foi concebido para bloquear a maioria da radiação emitida pela estrela e optimizado para capturar a radiação infravermelha emitida pela superfície quente de um planeta em órbita, em vez da pequena quantidade de radiação estelar que o planeta reflete. Tal como objetos situados próximos do Sol (e normalmente escondidos pelo seu brilho) podem ser vistos durante um eclipse total, também um coronógrafo cria uma espécie de eclipse artificial na estrela alvo, bloqueando a sua radiação e permitindo que objetos muito mais ténues existentes na sua vizinhança possam ser detectados. Trata-se de um avanço significativo das capacidades observacionais.
O coronógrafo foi instalado num dos quatro telescópios de 8 metros do VLT, ao alterar e melhorar um instrumento já existente chamado VISIR, de modo a optimizar a sua sensibilidade nos comprimentos de onda infravermelhos associados a exoplanetas potencialmente habitáveis. O instrumento poderá assim procurar assinaturas de calor semelhantes às da Terra, que absorve energia do Sol e reemite-a nos comprimentos de onda infravermelhos térmicos. O novo instrumento, NEAR, é uma modificação do VISIR de três maneiras diferentes, combinando várias técnicas de engenharia astronómica de vanguarda. Primeiro, adapta o instrumento à coronografia, permitindo a redução drástica da radiação emitida pela estrela alvo e revelando deste modo assinaturas de potenciais planetas terrestres. Segundo, usa uma técnica chamada óptica adaptativa para deformar estrategicamente o espelho secundário do telescópio, compensando assim os efeitos de distorção produzidos pela atmosfera da Terra. Terceiro, aplica estratégias de corte inovadoras que também reduzem o ruído, para além de permitirem que o instrumento mude rapidamente de estrela alvo, a cada 100 milissegundos, maximizando assim o tempo de telescópio disponível.
Peter Worden, Diretor Executivo das Iniciativas Breakthrough, disse: “Estamos muito satisfeitos por colaborar com o ESO na concepção, construção, instalação e agora uso deste novo instrumento tão inovador. Se existirem planetas do tipo terrestre em torno de Alfa Centauri A e B, será uma grande notícia para todas as pessoas do nosso planeta.”
“O ESO tem todo o prazer em partilhar a sua experiência, infraestruturas existentes e tempo de observação no Very Large Telescope com o projeto NEAR,” comentou o gestor do projeto no ESO, Robin Arsenault.
“Trata-se de uma oportunidade valiosa, já que — para além dos seus próprios objetivos científicos — a experiência NEAR é também percursora de futuros instrumentos de busca de planetas para o Extremely Large Telescope,” disse Markus Kasper, o cientista principal do ESO para o NEAR.
“O NEAR é o primeiro e (atualmente) único projeto que poderá obter imagens diretas de um planeta habitável, constituindo por isso um importante marco. Estamos com muita esperança que exista um planeta habitável grande em órbita de Alfa Cen A ou B”, comentou Olivier Guyon, cientista principal do Breakthrough Watch.
“Os seres humanos são exploradores naturais,” disse Yuri Milner, fundador das Iniciativas Breakthrough, “Está na altura de descobrirmos o que é que está para além do vale seguinte. Este telescópio permitir-nos-á espreitar para lá.”
Observatório Europeu do Sul – Portugal
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