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A origem do fósforo da vida

15 Jan 2020 - 16h44 - 6.977 caracteres

O fósforo, presente no nosso DNA e nas membranas as células, é um elemento essencial à vida tal como a conhecemos. No entanto, o modo como este elemento chegou à Terra primordial é ainda um mistério. Com o auxílio do poder combinado do telescópio ALMA (Atacama Large Millimeter/submillimeter Array) e da sonda Rosetta, da Agência Espacial Europeia, os astrónomos traçaram agora a viagem do fósforo, desde as regiões de formação estelar até aos cometas. Este trabalho de investigação mostra pela primeira vez onde é que as moléculas que contêm fósforo se formam, como é que este elemento é transportado nos cometas e como é que uma molécula particular pode ter desempenhado um papel crucial no início da vida no nosso planeta.

“A vida apareceu na Terra há cerca de 4 mil milhões de anos, mas ainda não sabemos bem quais os processos que a tornaram possível," diz Víctor Rivilla, o autor principal de um novo estudo publicado na revista da especialidade Monthly Notices of the Royal Astronomical Society (https://www.eso.org/public/archives/releases/sciencepapers/eso2001/eso2001a.pdf). Os novos resultados do Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), do qual o Observatório Europeu do Sul (ESO) é parceiro, e do instrumento ROSINA a bordo da sonda espacial Rosetta da Agência Espacial Europeia (ESA), mostram que o monóxido de fósforo é uma peça crucial no puzzle da origem da vida.

Com o auxílio do ALMA, que permitiu observar de forma detalhada a região de formação estelar AFGL 5142, os astrónomos conseguiram localizar onde é que moléculas com fósforo, como o monóxido de fósforo, se formam. As novas estrelas e sistemas planetários formam-se em regiões nebulosas de gás e poeira existentes entre as estrelas, fazendo destas nuvens interestelares os locais ideais para procurar os blocos constituintes da vida.

As observações ALMA mostraram que moléculas que contêm fósforo são criadas quando estrelas massivas se formam. Correntes de gás emitidas pelas jovens estrelas massivas abrem cavidades nas nuvens interestelares e moléculas que contêm fósforo formam-se nas paredes destas cavidades, através da ação combinada de choques e radiação da estrela bebé. Os astrónomos mostraram também que o monóxido de fósforo é a molécula com fósforo mais abundante nas paredes das cavidades.

Após procurar com o ALMA esta molécula nas regiões de formação estelar, a equipa europeia concentrou-se seguidamente num objeto do Sistema Solar: o famoso cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. A ideia consistia em seguir o percurso destes compostos de fósforo. Se as paredes da cavidade colapsam para formar estrelas, em particular nas menos massivas como o nosso Sol, o monóxido de fósforo pode congelar e encontrar-se preso nos grãos de poeira gelados que permanecem em torno da nova estrela. Ainda antes da estrela estar completamente formada, estes grãos de poeira juntam-se formando pequenos calhaus, rochas e eventualmente cometas, estes últimos tornando-se os transportadores do monóxido de fósforo.

ROSINA (Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis) colectou dados do 67P durante os dois anos em que Rosetta orbitou este cometa. Os astrónomos já tinham descoberto anteriormente traços de fósforo nos dados de ROSINA, mas não sabiam que molécula é que o teria transportado até lá. Kathrin Altwegg, Investigadora Principal de ROSINA e uma das autoras deste novo estudo, recebeu uma pista do que é que esta molécula poderia ser durante uma conversa numa conferência com uma astrónoma que estuda regiões de formação estelar com o ALMA: ”Ela disse-me que o monóxido de fósforo seria um candidato muito provável, por isso voltei a analisar os nossos dados e realmente lá estava ele!”

Esta primeira observação de monóxido de fósforo num cometa ajuda os astrónomos a estabelecerem uma ligação entre as regiões de formação estelar, onde a molécula é criada, e a Terra.

“A combinação de dados ALMA e ROSINA revelou uma espécie de linha condutora química durante todo o processo de formação estelar e onde o monóxido de fósforo desempenha um papel principal,” diz Rivilla, investigador no Observatório Astrofísico de Arcetri do INAF, o Instituto Nacional de Astrofísica de Itália.

“O fósforo é essencial à vida tal como a conhecemos,” acrescenta Altwegg. “Como muito provavelmente os cometas transportaram enormes quantidades de compostos orgânicos para a Terra, o monóxido de fósforo encontrado no cometa 67P poderá fortalecer a ligação entre cometas e a vida na Terra.”

Esta viagem intrigante pôde ser documentada graças aos esforços de colaboração entre astrónomos. “A deteção de monóxido de fósforo deveu-se claramente a uma troca interdisciplinar entre telescópios na Terra e instrumentos no espaço,” diz Altwegg.

Leonardo Testi, astronómo do ESO e Gestor de Operações do ALMA na Europa, conclui: “Compreender as nossas origens cósmicas, incluindo quão comuns são as condições químicas favoráveis ao aparecimento de vida, é um tópico principal da astrofísica moderna. Enquanto o ESO e o ALMA se focam em observações de moléculas em sistemas planetários jovens distantes, a exploração direta do inventário químico no seio do nosso Sistema Solar torna-se possível graças a missões da ESA, como Rosetta. A sinergia entre infraestruturas líder mundiais colocadas no solo e no espaço, através da colaboração entre o ESO e a ESA, é uma mais valia muito poderosa para os investigadores europeus, permitindo descobertas verdadeiramente transformadoras como a que é descrita neste trabalho.”

 

Observatório Europeu do Sul – Portugal

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