Biodiversidade das ilhas é melhor conservada em paisagens inacessíveis
As ilhas contribuem enormemente para a biodiversidade global, mas encontram-se ameaçadas pelas atividades humanas. Para compreender porque algumas ilhas têm registado um maior impacto desde que os primeiros seres humanos nelas se estabeleceram do que outras, um novo estudo comparou variáveis ambientais e sociais de 30 ilhas no Oceano Atlântico Leste. O estudo, agora publicado na revista científica Anthropocene, mostra que a acessibilidade do terreno explica a maioria das diferenças entre as ilhas na cobertura de vegetação nativa, enquanto que a densidade populacional humana atual teve uma correlação desprezível, sugerindo que a topografia restringe os impactos humanos na biodiversidade.
Impactos humanos nos hotspots de biodiversidade
Atualmente, as espécies e ecossistemas das ilhas estão altamente ameaçados pelas atividades humanas, encontrando-se muitas vezes confinados a pequenas áreas de vegetação remanescente. O impacto humano não ocorre apenas nos dias de hoje, tendo começado há vários séculos – e, em alguns casos, milénios – quando os seres humanos se estabeleceram pela primeira vez nessas ilhas anteriormente desabitadas, removendo a cobertura de vegetação nativa para iniciar práticas agrícolas, caçando espécies até à extinção e introduzindo espécies exóticas. Mas porque é que algumas ilhas são mais afetadas que outras pela atividade humana?
Para responder a esta questão, uma equipa de investigação internacional estudou 30 ilhas em cinco arquipélagos no Oceano Atlântico: Açores, Madeira, Ilhas Canárias, Cabo Verde e Ilhas do Golfo da Guiné. Os investigadores desenvolveram uma análise estatística de várias variáveis relacionadas com a topografia, o clima, as atividades humanas e a demografia destas ilhas. “Os nossos resultados mostram que as ilhas com uma extensão relativamente grande de ecossistemas nativos geralmente tem uma topografia mais acidentada, o que sugere que a biodiversidade em ilhas com paisagens inacessíveis é protegida das atividades humanas”, explica Sietze Norder, primeiro autor do estudo, investigador no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c (Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e na Universidade de Amsterdão (Holanda).
Abordagem interdisciplinar
Embora a topografia pareça desempenhar um papel importante, os padrões modernos de vegetação nativa também podem refletir parcialmente as mudanças demográficas e as tendências socioeconómicas desde que os seres humanos se estabeleceram pela primeira vez nestas ilhas. Assim, a equipa de investigação reuniu dados para reconstruir as mudanças demográficas e socioeconómicas históricas nesses arquipélagos nos últimos séculos. Esta informação histórica (dados qualitativos) foi usada para contextualizar os resultados estatísticos (dados quantitativos).
Estudos anteriores, que se baseavam em abordagens exclusivamente qualitativas ou quantitativas, chegaram por vezes a conclusões contrastantes sobre a importância relativa dos fatores ambientais e sociais para as mudanças na cobertura de vegetação. “O nosso estudo mostra que as abordagens interdisciplinares, que integram informações quantitativas e qualitativas, têm um grande potencial para melhorar a nossa compreensão sobre as interações entre o Homem e o ambiente”, acrescenta Sietze Norder.
À semelhança das ilhas do Atlântico Leste, as ilhas de todo o mundo foram amplamente transformadas por atividades humanas. Os impactos humanos não se restringem à remoção da vegetação nativa mas também incluem outras mudanças, como a introdução de espécies exóticas, a extinção de espécies que só existiam nestas ilhas e aspetos abióticos, como a erosão do solo. “Em vez de registar apenas essas mudanças em ilhas individuais, o próximo passo é avaliar para diferentes regiões do mundo como e porque é que os impactos humanos na biodiversidade diferem”, conclui o investigador.
Referência do artigo:
Norder S.J. et al., ‘Global change in microcosms: environmental and societal predictors of land cover change on the Atlantic Ocean Islands’, Anthropocene (April 2020).https://doi.org/10.1016/j.ancene.2020.100242
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