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Solstício de Verão e o meridiano da Terra

19 Jun 2020 - 17h16 - 4.021 caracteres

O Solstício de Verão ocorrerá no dia 20 de junho de 2020 às 22h44min, marcando o início desta estação no hemisfério norte. O sol neste dia de solstício estará o mais alto possível no céu e, aquando da sua passagem meridiana, atingirá a altura máxima de 75° em Lisboa.

Neste dia o Sol em Bragança nasce às 5h52 e põe-se às 21h05, enquanto no Porto nasce às 6h02 e põe-se às 21h11. Em Coimbra o dia dura das 06h04 às 21h07, em Lisboa das 06h12 às 21h05 e em Faro das 06h12 às 20h55. No Funchal (arquipélago da Madeira) o Sol nasce às 07h00 e põe-se às 21h18. Já em Ponta Delgada (nos Açores), nasce às 06h21 e põe-se às 21h08.

O solstício de Verão está ligado à primeira determinação experimental do comprimento de um meridiano terrestre efectuada há cerca de dois mil anos pelo matemático e geógrafo grego Eratóstenes de Cirene (actual cidade Líbia de Shahhat).

Eratóstenes, que nasceu em Cirene (c. 276 AC) e morreu em Alexandria (c. 194 AC) - “director” da famosa biblioteca desta cidade - foi o primeiro matemático da antiguidade a calcular a circunferência da Terra (comprimento do meridiano).

Com os pés bem assentes na terra, calculou a circunferência da Terra a partir de uma observação que o intrigou. Constatou que, ao meio-dia do dia 21 de Junho (solstício de verão), os raios do Sol eram perpendiculares à superfície, iluminando totalmente o fundo de um poço em Siena (actual cidade egípcia de Assuã ou Assuão). Mas verificou que o mesmo não se observava, à mesmo hora e mesmo dia, na cidade de Alexandria. A partir desta observação, e pressupondo que a Terra era esférica (o que já foi confirmado diversas vezes por astronautas a partir do espaço), que os raios do Sol que iluminavam as duas cidades eram paralelos, Eratóstenes planeou a seguinte experiência: medir o ângulo da sombra formada por estacas com o mesmo tamanho, naquelas duas cidades, no mesmo dia 21 de Junho, ao meio dia. Em Siena a sombra foi nula. Em Alexandria registou um ângulo de 7,2. Concluiu assim que o comprimento de um arco com 7,2 graus era igual à distância entre aqueles dois lugares. Dividiu este valor por 360, que é, como Eratóstenes sabia, o ângulo interno de qualquer circunferência, e obteve um valor igual a 50. Assim, deduziu que o comprimento do meridiano terrestre era igual a 50 vezes a distância de Siena a Alexandria. A partir de ajuda que solicitou ao rei local, mediu a distância entre as duas cidades: 5 mil estádios (medida grega igual a 125 passos). Deste modo, chegou ao valor de 250 mil estádios para o comprimento da circunferência da Terra. Ora, dependendo do valor que atribuamos a um “estádio grego” (pelo que encontrei não há consenso sobre o assunto), isso equivale a um valor entre 39 700 km e 46 600 km.

Hoje sabemos que o valor de um meridiano terrestre é aproximadamente igual a 40 003 km. É espantosa a aproximação conseguida por Eratóstenes. Repare que ele só utilizou conhecimento matemático e perspicácia para o fazer. O mesmo conhecimento matemático (alguma trigonometria e geometria) é, ainda hoje, suficiente para calcular a posição de um veículo, por GPS, e medir distâncias, apesar da necessidade de “alguma” tecnologia com que Eratóstenes não terá sonhado…

 

António Piedade

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva


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António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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