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Mães e crias em migrações pouco pacíficas

12 Mar 2012 - 18h13 - 3.254 caracteres
Género: Crónicas. Áreas:
Por: Cristina Brito

Uma mãe e a sua cria nadam, lado a lado, ao longo da costa numa zona de águas baixas. Depois do nascimento e de ser amamentada pela mãe durante alguns meses, a cria está pronta para uma das mais longas migrações feitas por qualquer mamífero. São baleias cinzentas (Eschrichtius robustus) e deslocam-se cerca de 9.000 km entre a zona de reprodução de inverno no Golfo da Califórnia e a zona de alimentação de verão no Mar de Bering. Atualmente já só existem no Oceano Pacífico depois de, no Atlântico, terem sucumbido a séculos de caça. A captura perpetuada pelo homem visava esta baleia que, apesar de dar luta e de ter grandes dimensões, desloca-se quase sempre junto à costa. Apesar de tudo, encontravam poucos predadores à sua altura. O homem era um deles e a captura foi tão intensa que no século XVIII já não restava nenhum destes grandes migradores no Atlântico. Uma situação que se mantém até aos dias de hoje.

Inexplicavelmente, e quase por acaso, foi avistado no verão de 2010 um indivíduo no Mar Mediterrâneo. Um errante do Pacífico ou um remanescente da população do Atlântico perguntaram-se os cientistas? De onde vem e para onde irá? Perguntava-se ainda quem fotografou a sua barbatana caudal e assim identificou o animal em duas ocasiões, em dois locais distintos. Mas não voltou a ser visto, nem este animal, nem nenhum outro desde então.

Resta-nos virar a nossa atenção para os cerca de 20.000 indivíduos que resistem no Pacífico. Mas não pacificamente. Continuam a enfrentar um predador igualmente temível: a orca! Sendo este o maior dos golfinhos, é um dos mais ativos predadores marinhos e alimenta-se de peixes, mas também de aves e de outros mamíferos marinhos. E no Pacífico, existem orcas que caçam crias de baleias cinzentas!

Ainda que o par de baleias cinzentas se aproxime da costa em busca de proteção, um grupo de orcas detetam-nas e cercam-nas. Depois, afastam a mãe da cria e mantêm esta abaixo da superfície até que deixe de respirar. As orcas atacam à vez, mostrando às suas próprias crias como se processa a captura. Comem-lhes a língua… Deixam o resto do corpo.

A baleia cinzenta, depois de investir toda a sua energia no parto, na amamentação e na viagem, permanece ao lado da sua cria morta. Terá agora que esperar mais um ano para encontrar um parceiro e acasalar, e ainda outro ano de gestação para que nasça uma nova cria. E depois, serão novamente apenas mãe e cria esperando não se cruzar, na próxima rota de migração para o pacífico norte, com o seu único predador.

Na proximidade das baleias, mantém-se o grupo matriarcal de orcas, dominado por uma fêmea e onde as crias ficam com as suas mães durante tempo suficiente para aprender técnicas de caça e de comunicação. Depois disso, os machos juvenis afastam-se do grupo, as fêmeas juvenis permanecem.

Uma mãe e a sua cria nadam, lado a lado, ao longo da costa numa zona de águas baixas. São orcas e fortalecem com mais uma captura, bem-sucedida, a sua ligação para a vida.

 

Cristina Brito

 

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

Referência: Scheinin et al. (2011). Gray whale (Eschrichtius robustus) in the Mediterranean Sea: anomalous event or early sign of climate-driven distribution change? Marine Biodiversity Records, 4: e28

DOI: 10.1017/S1755267211000042


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Cristina Brito

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