Higgs, o bosão de Peter (II)
E como descobrimos os bosões?
Hoje usamos os aceleradores de partículas, e, para vermos mesmo muito bem as coisas que se passam nestes regimes do muito pequeno, dentro das ervilhas dos estádios, fazemos as partículas colidirem de frente umas contra as outras. Boum. Catrapoum, boum, boum.
Jogam bilhar? Numa tacada a energia cinética dos nossos braços é transmitida para as bolas, mas o excesso que não vai para a mesa, é antes dissipado pelo som característico das tacadas. Toc, toc, toc.
Ora no vácuo não há som, logo a energia em excesso gera novas partículas, ou gera partículas já conhecidas.
Os cientistas tiram muitas fotografias nos detectores a estas colisões frontais, clic, clic, clic. 600 milhões por segundo.
Tem que ser, estão a fazer colidir, literalmente esmagar, Protões a 99.999 99% da velocidade da luz no detector CMS do LHC, o Grande Colisionador de Hadrões (partículas constituídas por Quarks).
Também ajuda que as partículas com carga eléctrica neutra se estejam completamente nas tintas para os magnetes instalados nos detectores e que prossigam o seu fantástico caminho em linha recta, ao passo que as partículas carregadas electricamente reagem aos magnetes e descrevem lindíssimos caracóis e espirais nas fotografias.
Acaso nestes milhares de milhões de eventos se encontre um excesso de energia que não corresponda, pelas contas, às partículas já conhecidas, então….Encontrou-se uma nova partícula.
Pelo seu comportamento, pelas partículas que emite e que absorve, consegue-se, com tremenda dificuldade e recorrendo a um poder de computação assombroso, distinguir a natureza desse novo amigo.
Mas, perguntam e muito bem as pessoas, para que serve esta descoberta, na prática o que sairá dali?
Bem, para já saiu uma excelente possibilidade de entendermos o Universo onde vivemos, para já os 4% da matéria normal do dia-a-dia e muito provavelmente um entendimento melhor sobre os 24% de matéria escura que nos rodeia, incluindo na sala onde estão. E teremos 72% do Universo, de energia escura, por descobrir.
Sim, os cientistas estão muito contentes, mas e as aplicações práticas, como são ou serão? Bom, isso é fazer ficção científica, é provável que a Química dos materiais ressurja ainda com materiais melhores, mais resistentes, mais leves, mais pequenos, mais amigos do ambiente e da Humanidade, e isso pode ser muito importante e útil, por exemplo, para a construção civil.
Lembrem-se que quando o laser foi descoberto servia para nada, e hoje qualquer loja, mesmo modesta, tem leitura óptica na caixa, por laser.
Então a aplicação mais importante vai ser, muito provavelmente, aquela que ninguém hoje consegue imaginar.
Perante a emoção de Peter Higgs e perante esta fantástica descoberta, é agora pelo futuro que teremos que aguardar.
Para terminar, a incontornável analogia. Há as analogias do tipo mel e melaço, onde um nadador profissional terá muita dificuldade em avançar caso a piscina estivesse cheia de mel em vez de água. O campo-força é a piscina, e a interacção das partículas do mel com as partículas do fato e da pele do nadador será o mecanismo da massa, o mecanismo de Higgs, a actuar.
O próprio Peter Higgs prefere a analogia das celebridades. Acaso o cientista Albert Einstein, por absurdo, se apresentasse para dar uma palestra na Universidade, todos os alunos lhe quereriam fazer perguntas, pedir um autógrafo, perguntar como está, e fazer muitas perguntas, muitas interacções, e assim retê-lo no campus universitário. Albert Einstein teria uma grande massa.
Agora se uma pessoa pouco conhecida atravesse o campus universitário de forma descontraída, chega à Aula Magna muito mais depressa porque ninguém, ou pouca gente, o vai reter com perguntas e ele somará muito menos interacções e logo uma massa muito menor.
O bosão de Higgs é assim. Considera algumas partículas umas verdadeiras celebridades, e não liga nenhuma, não interage directamente, com outras partículas, logo, é claro, com as partículas que não têm massa, como o fotão, o bosão Z e até o gluão.
Agora um detalhe: como o gluão está ligado aos Quarks, desfruta dum regime de excepção, para confirmar a regra.
Antes do fim digamos o que se espera para muito em breve: aguardam-se com enorme expectativa entre a comunidade científica os artigos sequentes. Um dos artigos será publicado em finais deste memorável mês de Julho de 2012 e será uma colaboração entre as experiências ATLAS e CMS. O segundo artigo anunciado será publicado no final deste Verão e foca-se nos excessos das interacções do Higgs que decaiem em pares de fotões.
Para terminar, deixo um agradecimento, dirigido a todos os cidadãos portugueses. Foi com os vossos impostos que o CERN foi financiado, muito obrigado pelo vosso esforço, por enfrentarem dificuldades muito sérias e por ainda assim ajudarem a Ciência.
Esta descoberta é também fruto do vosso trabalho, e é inteiramente vosso esse Mérito.
Manuel Rosa Martins
(Físico de Partículas)
Ciência na Imprensa Regional
(artigo adaptado do publicado em http://astropt.org/blog/2012/07/05/higgs-o-bosao-de-peter/)
Legenda da Figura
Fig 1 Simulação de um evento no detector CMS, representando o bosão de Higgs.
© 2012 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
Manuel Rosa Martins
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