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Âmbar cinzento: um aroma desconhecido na história dos nossos oceanos

06 Jul 2012 - 18h37 - 2.990 caracteres

A inegável ligação do âmbar cinzento às baleias (leia-se, sempre, cachalotes) está presente ao longo de toda a sua história, apesar dos inúmeros relatos contraditórios e explicações mirabolantes.

Espuma do mar, nascido de uma fonte submarina, fungo aquático, esperma ou alimento de baleias, alimento ou produto de peixes, ou ainda fruto de uma árvore marinha, são algumas das hipóteses históricas para a sua origem.

Surgem referências desde Clusius (1605), que refere pela primeira vez a origem do âmbar cinzento no intestino das baleias como resultado da digestão dos cefalópodes, até Melville (1815), que se refere às suas aplicações populares.

Foram também vários os autores portugueses para o Atlântico que descreveram e discutiram as suas origens e virtudes, de Gândavo (1550-1570) a Frei Cristóvão de Lisboa (1647).

Mais recentemente, com base na informação proveniente dos longos anos de baleação costeira, foram vários os naturalistas e cientistas portugueses, de Osório (1906) a Almaça (1998), que discutiram a sua origem.

O âmbar cinzento é, efetivamente, uma substância gordurosa e odorífera, uma concreção intestinal dos cachalotes formada em redor dos bicos e esqueleto interno dos cefalópodes de que se alimentam. Pode ser encontrado no interior dos animais, flutuando no mar ou arrojado nas costas depois de ser expelido, um pouco por todos os oceanos onde vive esta espécie cosmopolita.

Quimicamente, o âmbar cinzento (distinto do âmbar amarelo de origem vegetal) é um sólido não volátil. Historicamente, pelo contrário, é uma substância volátil. É um material exótico, etéreo, dificilmente encontrado no meio natural e que deixou poucos vestígios físicos em coleções mantidas ao longo dos tempos.

Ainda assim, existem registos escritos da sua presença geográfica, da utilização em vários espaços oceânicos e culturas, e da sua importância económica e ecológica. Era usado no mundo antigo e medieval como incenso, afrodisíaco, laxante, condimento em comida e bebidas, ingrediente de velas e cosméticos, e no tratamento de inúmeras dores e doenças.

Em Portugal, durante as décadas de capturas dos grandes cetáceos, de meados do século XIX a meados do XX, também era considerado um produto valioso, mas sempre raro, que surgia apenas em 1% dos cachalotes capturados.

Muito procurado devido à sua principal aplicação como fixador de aromas na indústria de perfumes, na década de 1920 todo o âmbar obtido dos cachalotes caçados ao largo de Portugal foi exportado para Paris.

Hoje em dia, como resultado dos mecanismos de conservação de cetáceos e com a proibição mundial da captura de cachalotes, e também tendo sido substituído por produtos químicos sintéticos, perdeu o seu valor económico.

Agora apenas podemos esperar encontrar esta matéria natural quando pedaços de âmbar cinzento forem trazidos pelas ondas, varridos pelo vento e erodidos pela areia das praias, e vierem parar às mãos surpreendidas de um veraneante numa qualquer praia do Atlântico que dele nos dê notícia.

 

 

Cristina Brito

 

Ciência na Imprensa Regional - Ciência Viva

 

 

 

Legenda Figura:

Pequeno pedaço de âmbar cinzento. Cortesia do Museu Botânico de Beja (Prof. Luís Mendonça de Carvalho).


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Cristina Brito

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