Mais perto do longe
Por: António Piedade
Olho o conhecimento com um deslumbramento novo!
O sistema estelar alfa do Centauro, a apenas 4,3 anos-luz de distância do nosso sistema solar, possui um planeta com massa semelhante à da Terra. Visível a olho nu, no hemisfério Sul, sabemos agora que há um mundo, para nós novo, numa das estrelas mais brilhantes do céu.
O que parece ser apenas uma estrela para os nossos olhos é, na realidade, um sistema composto por duas estrelas semelhantes ao Sol (alfa do Centauro A e B) que rodam uma em torno da outra e, numa órbita exterior mais afastada, a estrela Próxima do Centauro, mais pequena e pouco brilhante, que roda em volta das outras duas. Um bailado estelar.
O planeta descoberto gira em torno da alfa do Centauro B. Foi descoberto através do telescópio de 3,6 metros do Observatório de La Silla, no Chile, do Observatório Europeu do Sul. Uma equipa de astrónomos do Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, liderada por Xavier Dumusque, e outros colegas europeus, publicaram a sua descoberta na edição de 18 de Outubro da revista Nature.
Com a tecnologia actual, demoraríamos 40 mil anos a chegar a esse planeta. A luz da alfa de Centauro B, que foi examinada pelos investigadores, é aquela que a estrela emitiu há 4,3 anos. Porque a luz das estrelas que contemplamos tem de “viajar” até nós. É que a velocidade da luz é finita, apesar de muito grande para os nossos passos (cerca de 300 mil km/s), e o que vemos no firmamento cósmico é o passado da vida das estrelas. Demora uma eternidade abraçar o conhecimento do Universo.
Oito minutos é o tempo que a luz solar demora a chegar à alvorada de cada dia. Não chega atrasada porque sempre chegou assim. Quando a vida emergiu do namoro molecular, a luz solar também demorava oito minutos. Uns míseros oito minutos comparados com os cerca de mil milhões de anos que terá demorado a vida celular a “surgir” por aqui.
E como é que a vida “surgiu”? Muitas são as hipóteses formuladas pela vida que estuda este assunto. O que é mais consensual é que o desenvolvimento das primeiras células foi precedido por uma evolução molecular, síntese em abundância dos blocos moleculares que hoje são comuns à vida na Terra. Evolução que partiu dos elementos minerais e outras substâncias disponíveis e solúveis em água, galvanizada com a energia proveniente da actividade vulcânica e das “chaminés” submarinas, das descargas eléctricas atmosféricas, das radiações ionizantes provenientes do Sol e do espaço.
Muitas das propriedades substantivas da vida parecem afluir do “comportamento” dos sistemas moleculares ancestrais que hoje constituem, a jusante, o metabolismo celular. Uma das características da vida é a cooperação entre células diferentes, tendo em vista a sobrevivência que seria impossível, ou mais difícil, sem essa cooperação.
Bioquímicos norte-americanos descobriram uma interacção cooperativa na fronteira entre a “química inanimada” e o que se postula poderem ter sido as primeiras biomoléculas com capacidade auto-replicativa e auto-catalítica na história da vida. Moléculas de ácido ribonucleico (ARN) - um dos ácidos nucleicos hoje existentes em células e vírus (o outro é o ADN dos nosso genes) - ao serem misturadas em laboratório, interagem em rede e sequencialmente num modo muito dinâmico e cooperativo. Este sistema de moléculas de ARN (com capacidade catalítica e por isso se designam por ribozimas) “mostrou ser capaz” de crescer mais rapidamente do que outros sistemas moleculares com ciclos autocatalíticos não cooperativos. Este trabalho foi publicado na mesma edição da revista Nature acima indicada.
Estas experiências iluminam a hipótese de os sistemas cooperativos terem precedido vantajosamente a própria vida na Terra! De facto, cooperando conseguimos aquilo que sozinhos não conseguimos ou levamos mais tempo a atingir. É assim com a vida, é assim com os astrónomos do Observatório Europeu do Sul, e no geral com todos nós.
António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Referência dos artigos:
Xavier Dumusque, Francesco Pepe, Christophe Lovis, Damien Ségransan, Johannes Sahlmann, Willy Benz, François Bouchy, Michel Mayor, Didier Queloz, Nuno Santos, Stéphane Udry. An Earth-mass planet orbiting α Centauri B. Nature, 2012; DOI: 10.1038/nature11572
Nilesh Vaidya, Michael L. Manapat, Irene A. Chen, Ramon Xulvi-Brunet, Eric J. Hayden & Niles Lehman. Spontaneous network formation among cooperative RNA replicators. Nature, 2012; doi:10.1038/nature11549 - http://www.nature.com/nature/journal/vaop/ncurrent/full/nature11549.html
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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