Bichos-da-seda
Com o avançar da primavera a natureza eclode.
É também época das crianças e seus familiares se entusiasmarem (e inquietarem) com o evoluir do ciclo de vida do bicho-da-seda.
O aumento da temperatura ambiente faz com que as centenas de pequenos ovos acinzentados, com um tamanho de cerca de 1 mm, guardados naquela caixa de sapatos desde o ano anterior, saiam do período de latência e eclodam. O período de latência pode durar entre 7 a 21 dias, até que uma pequena lagarta com um tamanho de entre 1 a 3 mm saia do ovo. Começa assim a fase larvar deste insecto da espécie Bombyx mori, oriunda do norte da China, hoje disseminada por todo o mundo.
A fase larvar dura cerca de 24 dias até à formação do casulo.
As pequenas lagartas estão esfomeadas e só comem um tipo de folha: as folhas da amoreira. E começa a procura e recolha de folhas para alimentar as vorazes lagartas. A amoreira é uma árvore originária da China e botanicamente pertence à família Moraceae e ao género Morus.
Há sempre um elemento da família que acaba por ficar mais sobrecarregado com a tarefa de alimentar as lagartas. Contudo, a observação do ciclo de vida deste insecto, semelhante ao de muitos outros, é de todo muito educativo para todos. É a possibilidade de observamos as diferentes etapas de um ser vivo em transformação ao longo de um ciclo de vida relativamente curto. Um contacto com a biodiversidade em transformação.
Com a disponibilidade de alimento assegurada, a lagarta cresce muito e necessita de trocar o seu exoesqueleto quitinoso, a sua pele, para poder continuar a crescer. Esta troca é designada por muda. Na fase larvar ocorrem 4 mudas de pele, nas quais a lagarta não se alimenta. O espaço de tempo entre cada muda de pele é denominado por idade ou instar. Desde a eclosão até à formação do casulo a lagarta passa assim por cinco idades.
A lagarta na 5ª idade tem cerca de 7 cm de comprimento. É neste último instar que a lagarta inicia a construção do casulo. Nesta fase o seu órgão mais desenvolvido é a glândula sericígena, responsável pela produção do fio de seda. Este fio de seda, de grande valor económico, é constituído principalmente pelas proteínas fibroína e sericina, que são produzidas em diferentes partes da glândula e expelidas pela boca. A glândula produz ainda outras substâncias que conferem certas propriedades ao fio de seda. Conjuntamente com a fibroína é secretada a proteína P25. As duas tornam o fio insolúvel em água. A secreção de sericina, por outra zona da glândula, confere ao fio a sua propriedade aderente. É ainda secretada a proteína mucoidina, que permite que o fio passe, deslize, ao longo da glândula e saia pela boca da lagarta. A fibroína solidifica-se no momento que o fio sai, mas a camada de mucoidina permanece mole o tempo necessário para que a lagarta cole entre si as diferentes camadas de fio durante a tecelagem do casulo.
O casulo pode apresentar-se com diferentes cores e tamanhos que dependem da raça. A branca é relativa às raças chinesas e europeias, a amarela às raças europeias e a esverdeada às raças indianas. A forma arredondada é característica das raças chinesas, a ovalada das raças europeias, e em forma de amendoim das raças japonesas.
No interior do casulo o corpo da lagarta transforma-se. Forma-se a pupa ou crisálida, e o processo de transformação continua, durante cerca de 10 dias, até à formação do indivíduo adulto, a borboleta.
A borboleta liberta um líquido alcalino que corrói as proteínas de uma das extremidades do casulo, abrindo uma abertura para a sua saída. A borboleta não se alimenta e dedica-se à reprodução da espécie, num período de tempo até cerca de 15 dias. Depois do acasalamento a fêmea faz a postura de 200 a 500 ovos e, tal como o macho, morre.
Os ovos fecundados reiniciam, logo que as condições climatéricas os permitam, um novo ciclo de vida do bicho-da-seda.
Diga-se, muito a propósito, que este insecto tem uma grande importância económica, já que os seus casulos são utilizados no fabrico da seda. Cerca de 95% da seda produzida no mundo provém desta espécie. Os quatro maiores produtores mundiais de seda são a China, o Japão, o Brasil e a Índia.
Em termos históricos, a cultura deste insecto para produzir seda, ou sericicultura, é uma biotecnologia milenar que começou na China há cerca de 5000 anos e é considerada uma das actividades agroindustriais mais antigas praticadas pelo Homem.
António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva
Fonte: Centro Ciência Viva de Bragança.
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António Piedade
António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.
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