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Vamos ver a sombra da terra

06 Mai 2014 - 11h03 - 4.016 caracteres

Qualquer objecto iluminado pelo Sol projecta uma sombra para o lado oposto. Este é um facto banal a que nem o nosso planeta escapa. Mas como é que podemos ver a sombra da Terra? Vê-se facilmente e o espectáculo está quase sempre à sua disposição, sem sair de casa. Não acredita?

No final da tarde, quase ao cair da noite, podemos ver a sombra da Terra projectada no único alvo suficientemente grande para a conter: a própria atmosfera. Devido às muitas partículas em suspensão, a nossa atmosfera pode funcionar como um enorme ecrã.

Cerca de meia hora após o pôr-do-sol, quando o céu está limpo, basta olhar acima do ponto Este do horizonte, aproximadamente na direcção oposta àquela onde o Sol se escondeu, para ver a sombra da Terra (Figura 1). De manhã, cerca de meia hora antes do nascer do Sol, também a podemos ver, olhando pouco acima do horizonte Oeste.

A sombra da Terra e a cintura de Vénus

A sombra da Terra, tal como a podemos ver, tem a forma de uma enorme banda que se estende cerca de 180º em largura, centrada no ponto anti-solar (ponto do céu oposto à posição do Sol). Esta sombra é nitidamente mais escura do que o céu crepuscular e tem uma tonalidade azul-ardósia, de contorno esbatido.

Vemos esta sombra como uma banda porque, dadas as suas dimensões e a pequena parcela do seu contorno que se pode avistar de cada local, tal contorno pouco difere de um segmento de recta. A sombra da Terra é rodeada por um halo rosado, vulgarmente conhecido como "cintura de Vénus" ou "arco anticrepuscular", por oposição ao arco crepuscular que se desenvolve no horizonte por cima do Sol, pouco depois do seu ocaso ou pouco antes do seu nascimento (Figura 2). Esta luminosidade rosada difunde-se na atmosfera e provém da luz do Sol que se põe, ou que nasce, passando sobre as camadas gasosas que se encontram muito por cima de nós.

Pouco depois do Sol se pôr, a sombra da Terra surge a este, ainda baixa, mas vai subindo lentamente à medida que o Sol desce. Vinte minutos após o ocaso, a sombra já está bem mais alta e atinge cerca de 10º de altura na direcção antisolar. O arco anticrepuscular é agora mais largo, mas mais esbatido, pois a sua coloração rosada vai-se diluindo. A sombra da Terra pode ser vista até cerca de vinte graus de altura, meia hora após o ocaso, mas a cintura de Vénus já será muito ténue. Pela noite, na meia hora que se segue ao pôr-do-sol, assistimos pouco a pouco ao escurecimento do céu e da cintura de Vénus. O escurecimento global do céu oculta então rapidamente a sombra terrestre e a noite cai. Pela madrugada, dá-se o fenómeno inverso: a sombra terrestre desce lentamente sobre o horizonte oeste e o arco anticrepuscular adorna harmoniosamente o seu limite superior, até ao nascer do Sol.

 

 

Texto e imagens de Guilherme de Almeida

http://www.platanoeditora.pt/?q=N/AUTHORSHOW/92&maid=292

http://www.wook.pt/product/searchidautores/autor_id/5235/fsel/8066

 

 

Legendas das Figuras

Figura 1 - Formação da sombra da Terra e do arco anticrepuscular. A figura não está representada à escala e a indicação "SOL" refere-se apenas à direcção de onde vêm os raios solares e não à posição do Sol nem às suas dimensões efectivas.

Figura 2 - Simulação do aspecto observável da sombra da Terra e do arco anticrepuscular. A tonalidade da sombra pode ser subtil e o arco anticrepuscular pode parecer difuso, mas são inconfundíveis para um observador atento.


© 2014 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


Guilherme de Almeida

Guilherme de Almeida (n. 1950) é licenciado em Física pela Faculdade de Ciências de Lisboa e foi professor desta disciplina, tendo incluído Astronomia na sua formação universitária. Proferiu mais de 80 de palestras sobre Astronomia, observações astronómicas e Física, publicou mais de 90 artigos e é formador certificado nestas matérias. Utiliza telescópios mas defende a primazia do conhecimento do céu a olho nu antes da utilização de instrumentos de observação. É autor de oito livros sobre Astronomia, observações astronómicas e Física. Algumas das suas obras também estão publicadas em inglês, castelhano e catalão. Mais informação em  http://www.wook.pt/authors/detail/id/5235 


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