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Porque vemos o Sol achatado junto ao horizonte?

04 Out 2014 - 11h57 - 4.938 caracteres

Quando assistimos a um belo pôr do Sol, ou ao seu nascimento, vemos que o disco solar nos parece achatado. Mas quando o Sol está alto e a forte filtragem das nuvens nos permite vê-lo sem incómodo, a sua forma mostra-se perfeitamente circular. Que razões existem para o achatamento aparente do Sol junto ao horizonte?

Quando a luz de um astro penetra na atmosfera terrestre, não o faz encontrando logo o ar como aquele que respiramos, mas sim um "ar" muito mais rarefeito. À medida que se encaminha para a superfície da Terra, essa luz vai encontrando ar cada vez mais denso: em geral, o trajecto da luz deixa de ser rectilíneo e encurva-se gradualmente (na figura 1). A este desvio da direcção dos raios luminosos chama-se refracção atmosférica.

Devido à refracção atmosférica, um astro aparenta estar mais alto do que na realidade se encontra. Por exemplo (figura 1) um astro junto ao horizonte (direcção H) é visto mais alto, na direcção H', B vê-se em B' e A observa-se na direcção A'. Apenas no zénite Z (na direcção da vertical acima da cabeça do observador) não haverá desvio. Os desvios são pequenos, mas intensificam-se muito quando nos aproximamos da direcção do horizonte, como se pode ver na tabela 1.

O que é que acontece no caso do Sol? Na tabela vemos que a refracção atmosférica aumenta à medida que a altura de um astro diminui: vale menos de 1' (1/60 do grau) para a altura aparente 45º, atinge 5,3' quando ha=10º, mas a partir daí cresce muito rapidamente à medida que nos aproximamos do horizonte, onde alcança quase 34' (0,57º), o que representa mais do que o diâmetro aparente médio do Sol (32'). Quando nos parece que o Sol toca o horizonte, na realidade, ele já se pôs (geometricamente).

Para pequenas alturas, uma ligeira variação de altura determina uma diferença substancial na refracção, e por isso, o bordo inferior e o bordo superior do Sol serão afectados por refracções bastante diferentes. Quando o Sol está muito próximo do horizonte, com o seu bordo inferior quase a tocar (aparentemente) o horizonte desimpedido, o bordo inferior é mais elevado (pela refracção) do que o bordo superior. É por isso que o Sol nos parece achatado, quando nasce e quando se põe (esquema na Fig. 2). Tal fenómeno reduz-se gradualmente à medida que o Sol vai elevando sobre o horizonte. Isso também sucede com a Lua.

Podemos quantificar este achatamento. Visto da Terra, junto ao horizonte, o achatamento aparente do Sol é de tal ordem que o seu diâmetro aparente vertical é 84% do diâmetro aparente horizontal. Ou seja, uma razão de cerca de 5/6. Esta forma é por vezes deformada pela turbulência atmosférica. Para saber mais sobre os conceitos abordados no artigo, veja-se http://www.platanoeditora.pt/index.php?q=C/BOOKSSHOW/16

 

Texto e ilustrações de Guilherme de Almeida

 

Referências

http://www.jgiesen.de/refract/index.html

http://mintaka.sdsu.edu/GF/explain/atmos_refr/astr_refr.html

 

NOTA: Não se deve observar o Sol sem protecção apropriada, mas, junto ao horizonte, a atmosfera terrestre atenua o seu brilho consideravelmente, podendo olhar-se por breves períodos de poucos segundos, sem filtros. Quando o Sol está alto e a densidade das nuvens cinzentas que o tapam é de tal ordem que o disco solar se mostra pouco brilhante, também pode ser observado por breves instantes. Com filtros apropriados (nunca improvisados) podemos observá-lo sempre.

Legendas das Figuras

Figura 1. Representação da refracção atmosférica para estrelas a diversas alturas (a distância das estrelas à Terra não está desenhada à escala). Para maior clareza, a refracção foi muito exagerada, para se poder notar, assim como a espessura da atmosfera.

Figura 2. Simulação do aspecto do Sol poente (ou nascente). Se não houvesse atmosfera, o Sol estaria abaixo do horizonte, na posição (1), também representado a tracejado em (2). Devido à refracção atmosférica, o bordo inferior do Sol é aparentemente elevado 34' e o bordo superior (naturalmente mais alto) é elevado apenas 28,9', resultando numa forma achatada de, em média, 32' na horizontal e 26,9' na vertical. Em (3) mostra-se o aspecto do Sol nessa situação particular.

 

 


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Guilherme de Almeida

Guilherme de Almeida (n. 1950) é licenciado em Física pela Faculdade de Ciências de Lisboa e foi professor desta disciplina, tendo incluído Astronomia na sua formação universitária. Proferiu mais de 80 de palestras sobre Astronomia, observações astronómicas e Física, publicou mais de 90 artigos e é formador certificado nestas matérias. Utiliza telescópios mas defende a primazia do conhecimento do céu a olho nu antes da utilização de instrumentos de observação. É autor de oito livros sobre Astronomia, observações astronómicas e Física. Algumas das suas obras também estão publicadas em inglês, castelhano e catalão. Mais informação em  http://www.wook.pt/authors/detail/id/5235 


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