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Crónica da primeira “acometagem”

15 Nov 2014 - 17h17 - 4.329 caracteres

A passada quarta-feira, dia 12 de Novembro de 2014, não foi um dia qualquer. Muito pelo contrário, acolheu um acontecimento que já está na história da ciência e logo da humanidade: o robô File pousou na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko.

Foi a primeira vez na história da humanidade que tal foi tentado e conseguido. Depois de ter sido transportado até à órbita do cometa a bordo da sonda Roseta, numa viagem de 10 anos que terminou no passado dia 6 de Agosto de 2014, o pequeno File, autêntico laboratório científico, protagonizou o sonho de uma missão planeada à distância de 20 anos!

No dia 12, o File foi ejectado da sonda Roseta às 9h03 (hora portuguesa) e percorreu cerca de 22,5 km até à superfície do cometa. Depois de uma descida de sete horas, o sinal a confirmar o sucesso chegou à Terra às 16h03.

Quão difícil foi a “acometagem”? Tenha o seguinte em consideração: o cometa, a cerca de 511 milhões de km da Terra, estava a mover-se a mais de 15 km/s, rodopiando, expelindo gáses e dando as boas-vindas ao File com uma superfície acidentada e efectivamente desconhecida! A lenta descida foi efectuada sem navegação activa, funcionando as leis da física, pricipalmente a da atracção gravítica entre o File e o cometa.

Contudo, a descida do File não correu exactamente como planeado. O cometa tem uma gravidade muito fraca: na Terra o File pesava 100 kg, enquanto que no cometa só pesa 10 g (cerca de um pacote de açúcar)! A velocidade de escape ronda os 0,5 m/s (a velocidade a que um objecto se tem de mover para escapar à gravidade da Terra é igual a 11,2 km/s). O File aterrou ao dobro daquela velocidade, pelo que os ressaltos ocorreram. Os dados enviados mostraram que o File ressaltou duas vezes! Só à terceira vez é que ele se imobilizou na superfície do cometa!

O primeiro impacto fê-lo voltar para o espaço e viajar durante uma hora e 50 minutos a uma velocidade de 38 cm/s. Depois, voltou a tocar no cometa e deu um segundo salto bem mais pequeno: voou durante sete minutos, a 3 cm/s. Sete minutos depois, finalmente, pousou no local que se vê na fotografia.

O File não está no local desejado, designado como Agilkia. Os cientistas ainda não sabem exactamente onde está, mas pensam ficou a 1 km do local inicialmente escolhido. Os cientistas também revelaram que uma das três pernas não está no chão. O File está por isso numa posição inclinada e parcialmente à sombra. Em Agilkia esperavam-se sete horas de luz solar, a fim de recarregar a bateria secundária do File e assim prolongar a sua missão científica. No local onde se encontra, o File recebe cerca de hora e meia de luz (a cada 12 horas), o que reduz as hipóteses de uma missão mais longa. Felizmente, a sua antena está a apontar para cima e não existiram problemas de comunicação com a Roseta.

Foi exactamente através desta comunicação que foram enviadas as informações científicas sobre a natureza do cometa, que poderão fornecer-nos pistas sobre a constituição inicial do nosso sistema solar e eventualmente sobre a origem de algumas moléculas que se julgam terem sido necessárias para o desenvolvimento da vida na Terra.

Para já, a análise pelo File dos gases que são expelidos pelo cometa 67/P Churyumov-Gerasimenko revela a abundância de água, monóxido e dióxido de carbono, assim como de outras moléculas mais complexas cuja identificação está a ser efectuada.

Na sexta-feira à tarde, o File conseguiu perfurar a superfície do cometa para analisar a composição de material menos exposto às agruras do espaço. Aguardam-se com muitas expectativas os resultados da sua análise química.

 

António Piedade


© 2014 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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