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Um mar imenso numa Lua de Júpiter

19 Mar 2015 - 12h37 - 4.354 caracteres

Em Janeiro de 1610, Galileu Galilei descobriu, com a ajuda da sua luneta telescópica, que o maior planeta do sistema solar, Júpiter, era orbitado por quatro luas. Demonstrava assim que o corpo astronómico “lua” não era um exclusivo do planeta Terra. Isto contribuiu para a confirmação da teoria heliocêntrica proposta por Nicolau Copérnico, em 1543, no seu livro “Da Revolução das Esferas Celestes”.

A descoberta das luas de Júpiter por Galileu Galilei foi divulgada no seu livro “Sidereus Nuncius” (O Mensageiro das Estrelas), publicado em Março de 1610, uma das mais importantes obras da ciência moderna.

Desde então, os astrónomos baptizaram aquelas luas como Io, Europa, Calisto e Ganímedes, e não mais pararam de as estudar. O seu estudo ajuda-nos a compreender melhor a dinâmica e a formação do nosso sistema solar. As luas têm sido investigadas através de sondas espaciais e com modernos e potentes telescópicos, como seja o Telescópio Espacial Hubble, da NASA.

E foi através de observações efectuadas pelo Hubble, divulgadas no passado dia 12 de Março, que os astrónomos chegaram à conclusão de que Ganímedes, a maior Lua de Júpiter, que é também a maior do sistema solar e até maior do que o planeta Mercúrio, possui um imenso mar salgado sob a sua superfície. A descoberta foi publicada na edição online do “Journal of Geophysical Research: Space Physics” (http://onlinelibrary.wiley.com/enhanced/doi/10.1002/2014JA020778/).

Ganímedes junta-se assim a outras luas que sabemos possuírem mares interiores: Europa, também lua de Júpiter; Titã e Encélado, luas de Saturno. Mas como é que os cientistas conseguiram detectar um oceano sob a superfície de Ganímedes?

Mas o que de facto os cientistas da NASA anunciaram, foi que as observações realizadas com o Hubble no ultravioleta permitiram detectar auroras em Ganímedes! Isto confirma a existência de um campo magnético nesta lua. O campo magnético desvia as partículas da radiação ionizante do Sol para os pólos da lua, onde interagem com a atmosfera desta gerando auroras.

Ganímedes é a única lua, tanto quanto sabemos hoje, que possui um campo magnético. Esta particularidade é muito interessante, até porque é a existência de um campo magnético na Terra que nos protege da radiação ionizante proveniente do Sol, protecção essa vital para a existência da vida terrestre.

Em Ganímedes, os cientistas observaram oscilações nas auroras. A análise da amplitude das oscilações mostrou que aquela é bem mais pequena do que o esperado se o campo magnético desta lua fosse apenas gerado pelo seu núcleo, que é de ferro. E a influência do forte campo magnético de Júpiter sobre o campo magnético de Ganímedes não é suficiente para explicar as oscilações observadas. É preciso considerar uma terceira fonte de campo magnético.

Para explicar aquelas observações, a equipa de astrónomos propôs a existência de um oceano salgado (condutor de electricidade) por debaixo da superfície de Ganímedes. Esse oceano induziria um campo magnético que atenuaria a amplitude das oscilações nas auroras provocadas pela interacção entre o campo magnético de Júpiter e o originado pelo núcleo de ferro de Ganímedes.

Os dados obtidos permitem inclusive calcular que o oceano interior de Ganímedes deverá ser constituído por mais água do que toda a disponível na superfície da Terra, terá uma profundidade de 100 km (10 vezes maior do que a dos oceanos na Terra) e estará por debaixo de uma crusta, maioritariamente formada por gelo, com 150 km de espessura!


© 2015 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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