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Galileu Galilei e a advertência da Igreja Católica

06 Jan 2016 - 15h43 - 6.785 caracteres

Corria a Primavera de 1609, quando Galileu Galilei (1564-1642) ouviu dizer que um holandês tinha inventado um instrumento que permitia ver os objectos afastados como se eles estivessem próximos. Só ficou a saber que esse instrumento era constituído por um tubo com uma lente em cada extremidade. Baseando-se nessa informação fugaz, Galileu constrói e aperfeiçoa sucessivamente instrumentos capazes de aproximar os objectos seis vezes (6x), depois 8x, em seguida 20x e, por fim, consegue 32x. Quase todas as pessoas importantes ficam maravilhadas, embora algumas, desconfiadas, não acreditem no que vêem.

Em Novembro de 1609, Galileu começa a utilizar os seus telescópios para observar os astros: descobre que a Lua tem crateras e montanhas; apercebe-se de milhares de estrelas invisíveis a olho nu; e a Via Láctea dissolve-se numa multidão de estrelas, deixando de ser a hipotética emanação sublunar que os Antigos supunham.

Em 7 de Janeiro de 1610, aponta o telescópio para o planeta Júpiter e conclui, após comparar observações sucessivas, que quatro pequenas luas giram em volta deste planeta, tal como a nossa Lua gira em volta da Terra. Galileu conclui que pode haver outros centros de movimento, sem ser a Terra. Entusiasmado, publica, em Março de 1610, o livro Sidereus Nuncius (O Mensageiro Celeste), onde descreve as maravilhas que observara nos céus, mas com isso começa a ser alvo de polémica e a criar inimigos.

Por estes sucessos foi nomeado, ainda em 1610, Primeiro Matemático e Filósofo na corte de Cósimo II de Médicis, grão-duque da Toscânia e governante de Florença. No final deste ano, descobre que o planeta Vénus passa por um ciclo completo de fases, como a Lua, o que só é possível se Vénus orbitar o Sol, em possível conformidade com o modelo heliocêntrico e em total contradição com o modelo geocêntrico.

Em Julho de 1610 descobre que Saturno tem "saliências", uma de cada lado, quase vislumbrando os anéis que hoje conhecemos naquele planeta. Entre 1612 e 1613, observa o Sol por projecção, detecta manchas à sua superfície e verifica que essas manchas dão, pouco a pouco, a volta à nossa estrela, descobrindo o seu movimento de rotação.

É claro que todas estas descobertas, contrariando as suposições da época, baseadas nas aparências imediatas ou em antigos textos desligados da observação, desagradaram à Igreja Católica, grande defensora do geocentrismo. Daí resultaram inimizades vindas das facções mais conservadoras do Clero e até de alguns sábios que o contestavam.

Em 26 de Fevereiro de 1616 (quase há 400 anos), Galileu foi chamado a Roma, por ordem do Papa Paulo V. Recebido pelo cardeal Roberto Belarmino (1542-1621), este adverte-o de várias questões essenciais: 1- diz-lhe que a afirmação de que o Sol é o centro imóvel do Universo é uma heresia; 2- aponta-lhe que a afirmação de que a Terra se move está teologicamente errada; 3- proíbe-o de falar do heliocentrismo como realidade física, mas autoriza-o a referir-se a este apenas como hipótese matemática.

Galileu contém-se por algum tempo, mas em 1632 publica o Diálogo sobre os Dois Principais Sistemas do Mundo, onde compara os sistemas geocêntrico (de Ptolomeu) e heliocêntrico (de Copérnico). O Papa desse tempo, Urbano VIII, autorizara-o a escrever tal livro desde que falasse dos dois sistemas sem tomar partido pelo heliocêntrico e supondo este como mera hipótese. Porém, o Papa, anteriormente amigo e admirador do sábio italiano, considera que Galileu não cumpriu o prometido e sente-se ridicularizado numa personagem do livro, que é proibido no Verão de 1632. Em 1633, com 69 anos, Galileu é chamado a Roma, sob ameaça de ser acorrentado se se recusar. Ao fim de muitos e extensos interrogatórios, e depois de lhe terem mostrado os instrumentos de tortura da Inquisição, é forçado a negar as suas convicções. Não é queimado vivo, nem torturado, devido ao apreço do Papa e à influência de amigos poderosos. É condenado a prisão perpétua, depois comutada em prisão na sua casa de Arcetri, nos arredores de Florença. Sempre vigiado de perto pelos oficiais da Inquisição.

Apesar de proibido de escrever, Galileu retomou as suas investigações e em 1636 tinha pronto um novo livro, intitulado Discurso sobre Duas Novas Ciências, onde lançou os fundamentos da resistência de materiais e da dinâmica, uma área da Física que mais tarde servirá de inspiração ao grande Isaac Newton. O manuscrito teve de ser levado secretamente de Itália para a Holanda, onde foi impresso. Galileu ficou totalmente cego em 1637, devido a infecções oculares, e em 1638 recebeu o livro já impresso. No dia 8 de Janeiro de 1642 “entregou a alma ao Criador com firmeza filosófica e cristã”, segundo Vincenzo Viviani, o seu último discípulo e primeiro biógrafo.

A obra de Galileu marcou o despontar da ciência moderna e uma nova atitude perante o trabalho científico. E a sua vida foi um exemplo de persistência e dedicação.

Para saber mais: http://www.platanoeditora.pt/?q=C/BOOKSSHOW/2117

 

Texto de Guilherme de Almeida

Imagem: Jorge Miguel ( http://jorge-miguel.com/contacto.html )

 

Guilherme de Almeida (n. 1950) é licenciado em Física pela Faculdade de Ciências de Lisboa e foi professor desta disciplina, tendo incluído Astronomia na sua formação universitária. Proferiu mais de 90 de palestras sobre Astronomia, observações astronómicas e Física, publicou mais de 100 artigos e é formador certificado nestas matérias. É autor de oito livros sobre Astronomia, observações astronómicas e Física. Algumas das suas obras também estão publicadas em inglês, castelhano e catalão. Mais informação em http://www.wook.pt/authors/detail/id/5235

 

 


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Guilherme de Almeida

Guilherme de Almeida (n. 1950) é licenciado em Física pela Faculdade de Ciências de Lisboa e foi professor desta disciplina, tendo incluído Astronomia na sua formação universitária. Proferiu mais de 80 de palestras sobre Astronomia, observações astronómicas e Física, publicou mais de 90 artigos e é formador certificado nestas matérias. Utiliza telescópios mas defende a primazia do conhecimento do céu a olho nu antes da utilização de instrumentos de observação. É autor de oito livros sobre Astronomia, observações astronómicas e Física. Algumas das suas obras também estão publicadas em inglês, castelhano e catalão. Mais informação em  http://www.wook.pt/authors/detail/id/5235 


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