Resistência de bactérias a antibióticos e ao sistema imune
Por: Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)
Os antibióticos e o sistema imune são as duas forças que combatem infeções bacterianas. Agora, dois estudos do laboratório de Isabel Gordo, no Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), mostram pela primeira vez que a resistência de bactérias aos antibióticos e ao sistema imunitário está interligada. Os investigadores descobriram ainda que a adaptação de bactérias ao sistema imune influencia o espectro de resistência a antibióticos e, como efeito colateral, as bactérias tornam-se mais resistentes a alguns antibióticos, mas também mais sensíveis a outros. Estes resultados foram agora publicados nas revistas científicas Antimicrobial Agents and Chemotherapy e Evolutionary Applications.
As infeções bacterianas requerem uma resposta eficaz do sistema imunitário. Os macrófagos são as células imunitárias que respondem primeiro à infeção bacteriana, reconhecendo, engolindo e matando os microrganismos. Paulo Durão e colegas, no laboratório de Isabel Gordo, investigaram a capacidade de bactérias resistentes a vários antibióticos de sobreviverem na presença de macrófagos. Para este estudo, utilizaram estirpes de Escherichia coli (E. coli) com mutações que conferem resistência a dois antibióticos, rifampicina e estreptomicina, mutações essas que são comuns em bactérias patogénicas. Os investigadores observaram que estas bactérias poderiam sobreviver melhor dentro dos macrófagos do que as bactérias não resistentes. Paulo Durão explica: "As nossas experiências foram realizadas sem antibióticos presentes no meio e ainda assim, no inóspito ambiente encontrado no interior dos macrófagos, as estirpes de E. coli que têm resistência a antibióticos parecem ser mais aptas do que as estirpes sensíveis. Isto significa que o tratamento com antibióticos seleciona as bactérias tanto para a resistência aos antibióticos como para uma maior resistência ao sistema imune inato".
Ao mesmo tempo, outros membros da equipa do laboratório de Isabel Gordo investigaram o outro lado da questão: o que acontece quando as bactérias se tornam resistentes ao sistema imune? Ricardo Ramiro, primeiro autor deste estudo, realizou uma série de experiências, forçando as bactérias a evoluírem na presença de macrófagos. Como resultado, as bactérias tornaram-se capazes de sobreviver melhor dentro dessas células do sistema imune. Ramiro e colegas descobriram que essas bactérias, inicialmente sem qualquer resistência a antibióticos, tornaram-se mais resistentes a uma classe específica de antibióticos, os aminoglicósidos, e mais sensíveis a outras classes de antibióticos.
"Este efeito colateral da adaptação bacteriana ao sistema imune pode ser utilizado a nosso favor, para melhor selecionar os antibióticos para o tratamento de infeções", diz Ricardo Ramiro. "Enquanto se adaptam ao sistema imune, as bactérias tornam-se mais sensíveis a algumas classes de antibióticos. Assim, usando esses antibióticos para o tratamento de infeções, devemos conseguir uma cura mais rápida da infeção e minimizar o aparecimento de bactérias resistentes a antibióticos ".
Isabel Gordo acrescenta: "Os nossos resultados com E. coli preparam o terreno para futuras experiências noutras espécies bacterianas importantes, tais como M. tuberculosis e Salmonella."
A resistência bacteriana aos antibióticos tem vindo a aumentar, representando uma séria ameaça para a saúde humana. Compreender a relação entre bactérias, sistema imune e antibióticos pode abrir novos caminhos para lidar com este problema de saúde pública.
Estes estudos foram realizados no Instituto Gulbenkian de Ciência e financiados pelo Conselho Europeu de Investigação e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Ana Mena (Comunicação de Ciência - Instituto Gulbenkian de Ciência)
Referência dos artigos:
Durão P, Gülereşi D, Proença J, Gordo I. 2016. Enhanced survival of rifampin- and streptomycin-resistant Escherichia coli inside macrophages. Antimicrob Agents Chemother 60:4324–4332. doi:10.1128/AAC.00624-16.
Ramiro RS, Costa H, Gordo I. 2016. Macrophage adaptation leads to parallel evolution of genetically diverse Escherichia coli small-colony variants with increased fitness in vivo and antibiotic collateral sensitivity. Evolutionary Applications. doi: 10.1111/eva.12397
Legenda da imagem: Uma bactéria E. coli visualizada por microscopia electrónica. Créditos: Unidade de Microscopia Electrónica, IGC.
© 2016 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
Ana Mena (Instituto Gulbenkian de Ciência)
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