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O mistério da matéria negra adensa-se

26 Jul 2016 - 15h42 - 4.777 caracteres

Na década de 30 do século XX, o astrónomo americano de origem suíça Fritz Zwicky descobriu que os movimentos das galáxias no interior de enxames só poderiam ser explicados se existisse uma enorme quantidade de matéria negra (invisível) envolvendo-as. Quatro décadas mais tarde, a astrónoma americana Vera Rubin descobriu que todas as galáxias se encontram rodeadas de halos gigantes desta matéria negra. Rubin descobriu este facto notável ao observar que as estrelas na periferia das galáxias orbitam os respectivos centros com velocidades demasiado elevadas, só possíveis de explicar se estas “sentissem” o puxão gravitacional de um halo enorme de matéria negra que se estenderia muito para lá dos limites visíveis da galáxia.

A matéria negra interage com a matéria normal apenas através da força da gravidade e não emite nem absorve luz. Sabemos hoje que constitui cerca de 25% do conteúdo energético do Universo enquanto que a matéria normal, de que somos feitos, constitui apenas 5%. A constituição da matéria negra permanece um mistério e alvo de intensa investigação. Os suspeitos “favoritos” dos cientistas são partículas elementares maciças designadas genericamente por WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles), postuladas por teorias super-simétricas. Uma outra alternativa popular consiste no axião, uma partícula hipotética que explicaria a não preservação de algumas simetrias pela força nuclear forte, e que, a existir, deverá ser bem mais leve do que os WIMPs.

A detecção destas partículas é um projecto em que várias equipas de cientistas investiram décadas da sua carreira. Afinal de contas trata-se de uma descoberta digna de um Prémio Nobel da Física! Não é portanto de estranhar que existam várias experiências a decorrer que tentam detectar WIMPs ou axiões.

A maior e de longe mais sensível das experiências que tentam detectar WIMPs, o LUX (Large Underground Xenon experiment), está instalada a uma profundidade de 1480 metros de profundidade numa antiga mina no Dakota do Sul, Estados Unidos (Figura1).

As centenas de metros de rocha maciça oferecem-lhe protecção dos raios cósmicos que bombardeiam incessantemente a Terra e que podem dar origem a falsos positivos. O detector é constituído por um tanque contendo 370 kg de xenon, um gás nobre, a muito baixa temperatura, no estado líquido. O tanque tem foto-detectores em ambas as extremidades capazes de detectar minúsculos flashes de luz produzidos por WIMPs quando colidem, em raríssimas ocasiões, com os átomos de xenon (Figura 2).

A comunidade científica aguardava, portanto, com grande antecipação, os resultados dos últimos 20 meses de funcionamento do LUX e que foram anunciados no passado dia 21 de Julho. E o resultado foi… nada, nem uma detecção! O mais extraordinário é que a experiência não detectou nenhum sinal de partículas entre os 0.2 GeV/c² (com cerca de 20% da massa do protão) e os 1000 GeV/c² (10 vezes mais maciças do que o quark “top”, a partícula fundamental mais maciça conhecida). As teorias super-simétricas mais “naturais” sugerem os WIMPs deveriam ser encontrados nesta gama de massas. E no entanto, nada foi encontrado. Esta não é ainda a morte da hipótese de que os WIMPs são os constituintes fundamentais da matéria negra mas sugere que as suas massas terão de ser bem maiores, provavelmente fora do alcance das energias atingidas pelo LHC. A outra alternativa, o axião, poderá ser alvo de interesse renovado com estes resultados. De qualquer modo, quando se esperava uma clarificação, o mistério da matéria negra acabou por adensar-se.

 

Luís Lopes

 

Legenda das Figuras

Figura1: O LUX (Large Underground Xenon experiment). Crédito: C.H. Faham e LUX collaboration.

Figura 2: O detector do LUX, cheio de xenon líquido, tem uma barreira de foto-detectores ultra-sensíveis capazes de detectar fotões emitidos na colisão de WIMPs com os átomos de xenon. Crédito: SLAC National Accelerator Laboratory.

 

 


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Luís Lopes

Luís Lopes é professor no Departamento de Ciência de Computadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Astrónomo amador há mais de 30 anos, interessa-se pela ciência em geral e pela sua divulgação. Acompanha com especial atenção os desenvolvimentos nas áreas da Astronomia, Astrofísica e Física de Partículas. Gosta de estar com a família, de ler um bom livro, do sossego do campo e de passar noites a observar o céu.


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