Livros para o Verão
O “Verão”, a que alguns chamam a “silly season”, não tem necessariamente de ser um tempo morto para os miolos. Assim como não se deixa o corpo sem alimento, também não se deve deixar o espírito sem alimento ou com mau alimento (como a chamada literatura “light”). No Verão, quando os horários são mais relaxados e o nosso ambiente eventualmente muda, é o tempo para pôr as leituras em dia, incluindo as leituras mais exigentes que foram por falta de tempo postergadas.
Proponho como leituras de Verão seis livros de divulgação científica publicados recentemente entre nós, três de autores portugueses e três traduções. Não são leituras pesadas, mas também não são livros para consumir rapidamente. São livros para desfrutar devagar, para que regressemos de férias com mentes mais abertas. A ordem é a do apelido do autor.
- Jorge Dias de Deus, “Ciência Cosmológica”, Gradiva.
Esta último número da colecção “Ciência Aberta” da Gradiva tem como subtítulo três interrogações fundamentais do ser humano: “De onde vimos? Onde estamos? Para onde vamos?”. Estas são praticamente as mesmas interrogações que dão título a um quadro do pintor Paul Gauguin, uma grande obra inspirada no Taiti, realizada em 1897, numa situação de grande angústia pessoal (no final Gauguin tentou suicidar-se). Tentando explicar como a humanidade tem progredido nas respostas a estas magnas questões, o físico Dias de Deus, autor de outros livros da colecção “Ciência Aberta”, apresenta uma história da ciência cosmológica desde a Antiguidade (quando ela se confundia com o filosofia e a mitologia) até aos nossos dias (quando, fundada na matemática e na observação, ela ganhou uma forte base empírica). É um relato, escrito com rigor mas acessível, da evolução do nosso conhecimento do cosmos, desde as histórias antigas dos deuses até à teoria do Big Bang.
- Jordan Ellenberg, “Como não errar”, Marcador.
O autor é um matemático norte-americano, professor na Universidade de Wiscosin-Madison, que costuma escrever sobre a sua disciplina para a grande imprensa norte-americana. Neste livro, llenberg comunica a sua paixão pela matemática de uma forma asssaz cativante, num texto onde as histórias e o humor ingredientes fundamentais. O subítulo transmite a intenção do autor: “O poder do pensamento matemático no dia a dia”. A matemática não é uma disciplina afastada da realidade, como alguns pensam, mas sim uma maneira de olhar para a realidade, que nos pode ajudar no nosso permanente confronto com ela: De posse de matemática é mais difícil deixar-mo-nos enganar.
- Walter Lewin (com Warren Goldstein), “A Paixão da Física”, Gradiva.
O primeiro autor é um físico norte-americano, professor jubilado do famoso MIT, que, para além de uma longa carreira no estudo dos raios X que nos chegam do espaço exterior, ficou mundialmente conhecido pelas suas aulas divertidas, que ganharam uma audiência mundial graças ao Youtube. Como mostra a capa e o leitor poderá verificar facilmente an Internet, para exemplificar as leis do pêndulo, o Prof. Lewin faz ele próprio de badalo do pêndulo, pendurando-se num grande cabo e balançando-de diante dos seus alunos. O livro conta a história da sua vida (é comovente a sua fuga aos nazis na nativa Holanda) e conduz o leitor por uma “viagem pelos prodígios da física”, que vão do arco-íris cujas cores nos encantam aos buracos negros que nos deixam perplexos.
- Leonard Mlodinow, “De Primatas a Astronautas”, Marcador.
Se o livro de Lewin é recomendado por Bill Gates, este é recomendado por Stephen Hawking, que foi parceiro do autor na autoria de dois outros livros publicados pela Gradiva na “Ciência Aberta”: “O Grande Desígnio” e “Brevíssima História do Tempo”. Mlodinow, físico e escritor norte-americano descendente tal como Lewin de judeus perseguidos pelos nazis, é ainda autor de obras traduzidas em português como “Subliminar” (na Marcador, sobre processos mentais), “O Passeio do Bêbado” (na Bizâncio, sobre o acaso) e “Guerra entre Dois Mundos” (na Estrela Polar, diálogo sobre espiritualidade com Deepak Chopra). O seu livro mais recdente é um excelente resumo da gistória da civilização, enfatizando o poderoso papel da ciência e da técnica.
- Luís Moniz Pereira, “A Máquina Iluminada, Cognição e Computação”, Fronteira do Caos.
O autor, professor jubilado da Universidade Nova de Lisboa distinguido com vários prémios, é um dos maiores especialistas nacionais sobre inteligência artificial. Este livro é uma sua reflexão para o grande público sobre cognição e computação, quer dizer sobre a possibilidade de os computadores poderem imitar os seres humanos conseguindo aquilo que se chama “conhecer”. Questões que, neste mundo inundado por computadores e robôs, nos inquietam (existe “consciência” artificial? Existirá uma “ética artificial”?) são abordadas por Moniz Pereira. Até onde poderão ir as máquinas que criámos? Poderão um dia as criaturas escapar ao criadores?
- Natália Bebiano da Providência, “A Matemática e os seus Labirintos”, Gradiva.
Professora de Matemática da Universidade de Coimbra, a autora, que também é historiadora de ciência e autora de vários livros de ficção, ensaia nesta obra uma excursão diversificada com numerosos exemplos (com ilustrações numa edição graficamente muito atraente) pela estética da matemática: Começa com questões da literatura (a matemática em Fernando Pessoa e em Jorge Luís Borges e a aversão à matemática em José Saramago e em Gabriel Garcia Marques), passa para o diálogo entre a matemática e as artes visuais, para a íntima relação entre a matemática e a música e fecha com o contacto entre a matemática, em particular a lógica, e a filosofia. Uma delícia para a os olhos e para a mente.
Boas leituras estivais!
Carlos Fiolhais
© 2016 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva
Carlos Fiolhais
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