Descoberta a origem do longo corpo das cobras
Durante muitos anos, os cientistas têm tentado compreender a origem do tronco excepcionalmente longo que caracteriza o corpo das cobras. Este mistério em termos de desenvolvimento animal pode esclarecer alguns mecanismos que controlam os tecidos que formam o tronco, nomeadamente do esqueleto ou da medula espinhal. Uma equipa de investigação do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC, Portugal), liderada por Moisés Mallo, descobriu agora o principal factor que regula o desenvolvimento do tronco em vertebrados e explica por que é que as cobras têm um corpo tão diferente. Estas descobertas podem abrir novos caminhos no estudo da regeneração da medula espinhal. Este estudo foi publicado e destacado na capa da edição de 8 de agosto da Developmental Cell*.
Apesar das diferenças óbvias em forma e tamanho observadas entre diferentes animais vertebrados, todos têm corpos com cabeça e pescoço, tronco e cauda. É o tamanho relativo de cada uma destas secções do corpo que constitui em grande parte as diferenças observadas nos corpos destes animais. Ainda assim, todos os embriões dos vertebrados desenvolvem-se por fases consecutivas, formando cada região do corpo numa ordem específica, da cabeça para a cauda.
O desenvolvimento é guiado por instruções genéticas que informam o princípio e o fim da formação de cada secção do corpo. O laboratório de Moisés Mallo tem tentado desvendar o código genético que controla o desenvolvimento do tronco e da cauda em vertebrados. Para tal, estudaram ratos que têm troncos particularmente longos ou especialmente curtos. “Pensámos que a análise destes animais podia dar-nos a chave para desvendar o código da formação do tronco”, diz Moisés Mallo.
As suas experiências levaram à surpreendente descoberta que o principal controlador do desenvolvimento do tronco era o gene Oct4, um dos reguladores essenciais das células estaminais. Uma vez que muitos vertebrados também têm Oct4, este gene podia desempenhar um papel semelhante noutros animais e talvez até ser responsável pelo tronco excepcionalmente longo das cobras.
Rita Aires, primeira autora deste estudo, explica: “Nós tínhamos descoberto que Oct4 é o ‘interruptor’ que leva à formação do tronco, mas não conseguíamos explicar a diferença no comprimento do tronco observada nos vertebrados, particularmente nas cobras. Assim, testámos se este interruptor estava ligado ou desligado durante diferentes períodos do desenvolvimento embrionário das cobras e dos ratos.”
Os investigadores descobriram que o gene Oct4 era, de facto, mantido ativo durante um período mais longo nas cobras do que noutros animais. Também observaram que isto resultava de modificações que tinham ocorrido no genoma da cobra durante a evolução dos répteis, que colocaram o gene Oct4 perto de uma região de ADN que mantinha este gene num estado ativo durante longos períodos do desenvolvimento embrionário.
“A formação de diferentes regiões do corpo funciona como um ‘braço de ferro’ de genes. Os genes envolvidos na formação do tronco precisam de cessar atividade para que os genes envolvidos na formação da cauda possam começar a atuar. No caso das cobras, observámos que o gene Oct4 é mantido ativo durante um longo período do desenvolvimento embrionário, o que explica o porquê das cobras terem um tronco tão longo e uma cauda tão curta”, diz Rita Aires.
Moisés Mallo acrescenta: “Nós identificámos o principal factor que, desde que se mantenha num estado ativo, permite o crescimento ilimitado das estruturas do tronco. Agora vamos investigar se podemos usar este factor para expandir as células que formam a medula espinhal, tentando regenerá-la em caso de dano.”
Esta investigação foi desenvolvida no Instituto Gulbenkian de Ciência (Portugal) em colaboração com a Universidade da Florida (EUA), e foi financiado pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Portugal), pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT; Portugal) e pelo Howard Hughes Medical Institute (EUA).
Referência do artigo:
Aires et al., (2016) Oct4 Is a Key Regulator of Vertebrate Trunk Length Diversity, Developmental Cell http://dx.doi.org/10.1016/j.devcel.2016.06.021
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