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A Física Vive Tempos Interessantes

18 Ago 2016 - 15h56 - 7.448 caracteres
Género: Artigos. Áreas: Física
Por: Luís Lopes

São conhecidos 3 tipos de neutrinos no Universo, exactamente o número previsto pelo Modelo Standard de partículas elementares. São os “enfants terribles” da física de partículas, capazes de truques nunca vistos como transformar-se uns nos outros enquanto viajam no espaço. As várias experiências realizadas para compreender o seu comportamento e interacção com as restantes partículas deixaram um conjunto de pontos de interrogação no ar que poderiam ser explicados se existisse um quarto tipo de neutrino a que os físicos chamaram de “estéril”. Seria bem mais maciço do que os restantes 3 tipos (que têm massas muitíssimo baixas) e a sua interacção com a matéria seria apenas através da força da gravidade, o que o tornaria um candidato forte a constituinte da matéria negra. A sua descoberta seria também a primeira manifestação clara de física para além do Modelo Standard. Os físicos que apostavam nesta via, no entanto, sofreram um revés considerável recentemente.

A equipa responsável pelo IceCube Neutrino Observatory, um enorme detector de neutrinos instalado na Antártida, publicou uma análise dos dados recolhidos ao longo de um ano de observações — mais de 100 mil eventos. O IceCube é constituído por uma grelha de 5160 sensores de luz presos no gelo a mais de 1 quilómetro de profundidade. Os neutrinos que atravessam o gelo colidem ocasionalmente com os núcleos atómicos criando um flash de radiação que é então detectada pelos sensores. A existência de um tipo novo de neutrino provocaria uma anomalia no número de neutrinos-muão, um dos três tipos de neutrino conhecidos, observados pela experiência. O resultado? Nenhum sinal do hipotético “neutrino estéril” dentro da gama de massas sugerida pelas anomalias observadas nas experiências referidas. De facto, os autores concluem que a probabilidade de uma tal partícula não existir é de 99%.

Este resultado surge em simultâneo com uma análise das observações do Enxame de Galáxias de Perseu pelo malogrado observatório de raios-X japonês Hitomi. Observações realizadas em 2014 com os observatórios de raios-X Chandra, XMM e Suzaku, detectaram uma linha espectral de emissão, não identificada com nenhum elemento conhecido, correspondente a raios-X com energias de 3.5 keV neste enxame. As observações foram rodeadas de alguma polémica pois outras equipas, observando com os mesmos instrumentos, não conseguiram observar a linha. Independentemente da polémica, alguns cientistas sugeriram que a emissão poderia dever-se ao decaimento de “neutrinos estéreis” que, neste cenário, seriam os constituintes principais da matéria negra. A matéria negra é mais abundante no centro de grandes enxames de galáxias aumentando a probabilidade de colisão entre as partículas que a constituem e do seu consequente decaimento — a sugestão fazia algum sentido.

O espectro da região central do enxame obtido pelo Hitomi, com uma resolução 20 vezes superior ao estado da arte, mostra uma realidade bem diferente: nenhuma linha evidente nos 3.5 keV. Os dados foram recolhidos quando o instrumento do Hitomi que obteve o espectro funcionava ainda com algumas limitações de sensibilidade, mas está totalmente fora de questão a existência de uma linha com uma intensidade semelhante à supostamente observada. Também aqui, uma possível detecção, ainda que indirecta, da existência de neutrinos estéreis revelou-se um beco sem saída.

Para finalizar uma semana frustrante ou aliciante (eu prefiro a segunda) para os físicos, resultados provenientes das experiências CMS e ATLAS do Large Hadron Collider (LHC) do CERN, descartaram a existência de uma possível nova partícula com cerca de 750GeV (para comparação, a partícula mais pesada conhecida é o quark top, com 173 GeV). Os rumores da possível existência de uma tal partícula, algo não previsto pelo Modelo Standard, surgiram ainda em 2015 quando os cientistas de ambas as experiências observaram um pequeno excesso de fotões nos resultados das colisões, um sinal que poderia indiciar o decaimento de uma partícula maciça desconhecida. Os dados recolhidos já neste ano, com o acelerador a fazer colidir feixes de protões à energia máxima de 13 TeV, fizeram praticamente desaparecer esse pequeno excesso. Tudo não passou de uma flutuação estatística nos dados.

Finalmente, as mesmas experiências impuseram fortes limites na massa mínima de hipotéticas super-partículas previstas por teorias super-simétricas (e.g., a Teoria das Cordas). As ditas assumem que na Natureza os fermiões (partículas que interagem através de forças, e.g, electrão, protão, neutrino) e os bosões (partículas que transportam forças, e.g., fotão) são duas faces da mesma moeda e que a muito altas energias essa diferença deixa de existir. Além de constituírem uma extensão natural de várias outras simetrias observadas na Natureza, tais teorias são consideradas como particularmente elegantes por muitos físicos teóricos. Uma consequência prática desta simetria — quebrada nas baixas energias que experienciamos — seria a existência de uma partícula companheira, mais maciça, para cada partícula prevista pelo Modelo Standard. Os novos resultados mostram que tais partículas, se existirem, deverão ser bem mais maciças do que se pensava. Esta observação põe em cheque a validade da super-simetria pois esta só funciona se o desnível entre as massas de uma partícula e da super-partícula correspondente não for muito elevado. É bem possível que a Natureza não seja super-simétrica, e este resultado negativo, por si só, pode ser uma descoberta excepcional.

Se adicionar-mos a este panorama o recente resultado negativo na detecção de hipotéticas partículas constituintes da matéria negra pela experiência LUX, a mais sensível do tipo em funcionamento, a vida não está fácil para os físicos teóricos. Tempos interessantes estes, talvez estejamos no limiar de uma mudança de paradigma.

 

Luís Lopes

 

Legendas das Figuras

Figura 1. O observatório IceCube na Antártida. Crédito: Credit: Erik Beiser, IceCube/NSF.

Figura 2. O detector da experiência ATLAS no LHC. Crédito: CERN.


© 2016 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


Luís Lopes

Luís Lopes é professor no Departamento de Ciência de Computadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Astrónomo amador há mais de 30 anos, interessa-se pela ciência em geral e pela sua divulgação. Acompanha com especial atenção os desenvolvimentos nas áreas da Astronomia, Astrofísica e Física de Partículas. Gosta de estar com a família, de ler um bom livro, do sossego do campo e de passar noites a observar o céu.


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