Terra 2.0 em torno de Proxima Centauri?
Após algumas semanas de rumores insistentes na Internet, a notícia é agora oficial: astrónomos do European Southern Observatory (ESO) anunciaram a descoberta de um planeta “semelhante à Terra” em torno da estrela mais próxima do Sol, Proxima Centauri, a apenas 4.2 anos-luz. O anuncio desencadeou uma avalanche de artigos nos mais variados media, alguns dos quais com um cariz especulativo ou sensacionalista. Na realidade, a existência do novo planeta ainda não foi confirmada por outros cientistas, condição fundamental para que a descoberta seja aceite pela comunidade, e mesmo assumindo que ao sinal detectado é bona fide sabemos pouco, muito pouco, sobre o Proxima Centauri b.
A história desta descoberta começa em Janeiro deste ano quando o ESO lançou o projecto Pale Red Dot com o propósito único de tentar detectar planetas em torno de Proxima Centauri. Não demorou muito. No passado dia 24 a descoberta foi publicada na revista Nature por uma equipa liderada por Guillem Anglada-Escudé do Queen Mary University of London. A equipa usou observações realizadas com dois dos espectrógrafos mais precisos do mundo: o HARPS, instalado no telescópio do ESO de 3.6 m, no Observatório de La Silla, e o UVES, instalado no telescópio Kueyen, um dos gigantes de 8 metros do Observatório de Cerro Paranal.
Para detectar o planeta, os astrónomos utilizaram uma técnica designada por variação da velocidade radial. Nesta técnica, a massa (mínima) de um planeta é estimada com base na amplitude do movimento das linhas espectrais da estrela. As linhas movem-se alternadamente para o azul e para o vermelho devido ao movimento orbital do planeta. Planetas mais próximos da estrela e/ou mais maciços provocam deslocamentos maiores. Para planetas como a Terra ou mais pequenos, este efeito é extremamente pequeno e a sua detecção está no limite do que é possível com a tecnologia actual.
A análise dos dados recolhidos pelos espectrógrafos permitiu determinar a existência de um sinal que parece ser devido à presença de um planeta com pelo menos 1.3 massas terrestres orbitando a estrela a cada 11.2 dias, a uma distância média de apenas 7 milhões de quilómetros (Mercúrio, o planeta mais interior do Sistema Solar, orbita o Sol à distância de 59 milhões de quilómetros). Proxima Centauri é mais pequena e muito menos luminosa do que o Sol pelo que, mesmo a esta distância aparentemente pequena, o planeta se situa na sua zona habitável, uma região em torno da estrela onde as temperaturas permitem a existência de água no estado líquido.
O que sabemos sobre o putativo planeta resume-se praticamente no parágrafo anterior. Apesar disso, boa parte das notícias que lemos sobre a descoberta fazem passar a ideia de que existe um planeta semelhante à Terra (sem aspas) mesmo aqui ao lado — o sensacionalismo vende mais. Esta abordagem não reflete a abordagem cautelosa ao anuncio pela comunidade científica. Para começar, qualquer alegada descoberta tem de ser verificada independentemente por outras equipas de investigadores, usando outros instrumentos, metodologias e análises de dados, antes de ser universalmente aceite.
Na análise dos dados a equipa de Guillem Anglada-Escudé eliminou outras possíveis explicações para o sinal observado, nomeadamente o de este ser devido à actividade magnética de Proxima Centauri. As anãs vermelhas têm campos magnéticos intensos e manchas (como o Sol) que provocam variações no brilho da estrela com uma periodicidade semelhante ao seu período de rotação. O sinal do planeta não está correlacionado com estas variações devidas ao magnetismo, pelo que o sinal parece fidedigno. Mas há sempre a possibilidade de erro ou falsas assumpções.
Por outro lado, o facto de um planeta com massa e dimensões aproximadas da Terra se encontrar na zona habitável de uma estrela não implica que seja habitável, muito menos que tenha vida. O próprio conceito não é consensual na comunidade científica. Por exemplo, alguns modelos colocam Vénus na zona habitável do Sol e em termos de características físicas este planeta é quase um gémeo da Terra, no entanto é um mundo inóspito, sem vida. E que dizer da possibilidade de vida em Europa e Encélado, muito para lá da zona habitável do Sol? No caso de Proxima Centauri b, o planeta está tão próximo da estrela que poderá ter sempre o mesmo hemisfério voltado para a estrela (tal como a Lua com a Terra), uma situação muito diferente da da Terra. O Proxima Centauri b é também irradiado por um fluxo de raios-X, um tipo de radiação extremamente nociva para a vida, que é 400 vezes superior ao suportado pela Terra.
E sobre a atmosfera do planeta, sabe-se algo? Por agora nada, nem mesmo se existe. Mas se o planeta realizar trânsitos, i.e., se passar em frente do disco da Proxima Centauri visto a partir da Terra, será possível obter informação valiosa relativamente à sua existência, composição e estrutura. Será possível também determinar o raio do planeta e a inclinação da sua órbita (e portanto a massa exacta do planeta, combinando esta informação com as observações dos espectrógrafos). Com o raio e a massa obtêm-se a densidade, um bom indicador da composição interna do planeta — se é rico em metais, rochas, gelos ou gases.
Para já, as medições da velocidade radial da estrela obtidas pela equipa permitem calcular as datas de possíveis trânsitos do planeta. As equipas de investigadores podem assim pedir tempo de observação nos poucos, e muito requisitados, telescópios capazes de os detectar. As probabilidades jogam, no entanto, contra os astrónomos pois as características do sistema permitem calcular que existe uma probabilidade de apenas 1.5% para a ocorrência de trânsitos. Mas a sorte favorece os audazes…
Na realidade, portanto, e admitindo que a descoberta será confirmada independentemente no futuro, não sabemos quase nada sobre o “Proxima Centauri b” e por isso pensar em terras e vida é especulativo, para usar um eufemismo.
Luís Lopes
Legendas das figuras
Figura 1 - Esta representação artística de Proxima Centauri b, com aspecto semelhante à Terra, poderá ser demasiado optimista. Proxima Centauri é a estrela laranja brilhante enquanto ao longe se pode ver o par Alfa do Centauro A e B, em torno do qual Proxima orbita. Crédito: ESO.
Figura 2 - As observações (triângulos, quadrados e círculos) dos deslocamentos das linhas espectrais de Proxima Centauri obtidas pelo HARPS e UVES. A linha negra mostra o modelo que melhor se ajusta às observações. A amplitude da variação permite estimar a massa mínima do planeta. Crédito: Anglada-Escudé et al.
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Luís Lopes
Luís Lopes é professor no Departamento de Ciência de Computadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Astrónomo amador há mais de 30 anos, interessa-se pela ciência em geral e pela sua divulgação. Acompanha com especial atenção os desenvolvimentos nas áreas da Astronomia, Astrofísica e Física de Partículas. Gosta de estar com a família, de ler um bom livro, do sossego do campo e de passar noites a observar o céu.
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