«A Engenharia de Tecidos em Portugal é das principais no mundo»
Por: GPS / Fundação Francisco Manuel dos Santos
Joana Magalhães faz investigação em medicina regenerativa, procurando soluções para a regeneração da cartilagem em pessoas que padecem de osteoartrose. Esta cientista, que nasceu em Espinho, fala sobre a investigação que faz, sobre viver no estrangeiro, sobre o panorama científico em Portugal e sobre o GPS. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.
Pode descrever (a nós, leigos) de forma sucinta o que faz profissionalmente?
Trabalho como investigadora na área da medicina regenerativa aplicada às doenças reumáticas, no Grupo de Reumatologia do Instituto de Investigação Biomédica da Corunha (INIBIC), em Espanha. Dentro da medicina regenerativa o meu trabalho está focado na engenharia de tecidos (como a cartilagem), em que através da combinação de biomateriais e células humanas tentamos desenvolver soluções terapêuticas para pessoas que padecem de osteoartrose. Esta doença de elevada prevalência afecta sobretudo a população idosa e é uma das principais causas de incapacidade física no mundo. Os nossos objetivos são por um lado conhecer e caracterizar melhor o processo de formação da cartilagem e os factores envolvidos (para tentar reproduzi-lo) e por outro desenvolver novos materiais e/ou estratégias que permitam a regeneração de uma cartilagem com características similares à que existe no corpo (para o qual as técnicas disponíveis actualmente apresentam algumas limitações). Os resultados podem ter um impacto directo na qualidade de vida dos pacientes, por exemplo ao reduzir ou atrasar o uso de próteses e diminuir custos nos sistemas de saúde.
Para além do meu trabalho na área de engenharia de tecidos também me dedico à comunicação de ciência, particularmente no desenvolvimento de programas educativos em colaboração com os media, de forma a promover a cultura científica biomédica na sociedade e a visibilidade das mulheres na ciência. Neste sentido já criámos duas miniséries de televisão («1 minuto de Biomedicina» e «Quando for grande quero ser cientista») e dois programas de rádio («Saúde com Biomedicina» e «Cápsulas de Som»).
Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?
A Engenharia de Tecidos é uma área completamente multidisciplinar e, ainda que hoje esta palavra seja comum, há dez anos atrás quando comecei não o era, e muito menos quando surgiu há cerca de 20 anos (1993). Nessa altura falava-se em criar tecidos, depois em órgãos, hoje trabalhamos no desenvolvimento de micro-órgãos interconectados que simulam o próprio organismo, criando assim novos instrumentos que sem dúvida agilizarão o processo da introdução de novos fármacos no mercado e farão avançar a medicina personalizada. Além disso, a democratização das impressoras 3D (no nosso caso a bio-impressora) também veio popularizar o campo.
É uma área que envolve capacidades STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematics) desenvolvidas para dar resposta a problemas clínicos. Talvez por combinar a experiência de tantos profissionais diferentes, esta área é geradora de inovação e empreendimento e por isso também é considerada como uma das áreas com maior potencial de crescimento futuro. Essa foi, desde o princípio, uma das coisas que mais me atraíram nesta área. Nas miniséries que mencionei anteriormente essa é uma das mensagens que tentamos transmitir: como através de diferentes áreas STEM podemos ter um impacto na saúde das pessoas, e não só através da via mais clássica (medicina, etc).
Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?
Há vários motivos, mas o principal está na minha natureza. Depois, relativamente à ciência, esta é universal e a mobilidade é um dos principais motores para o seu desenvolvimento. Para mim, sem dúvida, a mobilidade é um grande atractivo da carreira científica. Outra realidade, da qual sou consciente, é o caso de cientistas que emigram porque tanto as oportunidades como a possibilidade de progressão e estabilização profissional em Portugal são limitadas.
No meu caso o detonante da migração foi o programa Erasmus, na Universidade de Ghent. Esta é uma etapa do percurso académico que considero fundamental e que por isso devia ser obrigatória (obviamente com financiamento adequado). Mais tarde segui com um doutoramento financiado pelo programa Marie Curie Actions, no CSIC em Espanha, com passagens curtas pelas Universidade do Minho e de Sheffield. Agora estou na Corunha, com visitas à Universidade de Zaragoza e de Madrid. Estes programas defendem valores que vão muito além do campo científico e da «capacitação» humana. Nós, cientistas no estrangeiro, também somos uma fonte de enriquecimento e de integração nas sociedades que nos acolhem. Somos uma fonte de diversidade cultural e linguística, sem esquecermos a nossa identidade, mas identificando-nos com uma nova, a europeia, e como tal contribuímos para fortalecer o espaço europeu.
Algo inesperado... Vou mencionar o famoso «tecto de vidro» presente na carreira científica das mulheres, do qual não era consciente durante as primeiras etapas da minha carreira e que é um dos motivos pelos quais actualmente faço divulgação nesta área.
Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?
O panorama científico português na área da Engenharia de Tecidos é aliciante e um dos principais a nível mundial, basta ver os logros obtidos nos últimos anos. De forma geral, penso que existem muitas áreas em que temos cientistas e equipas altamente reputadas a nível internacional e com uma excelente formação académica. No entanto, penso que ainda são necessárias várias medidas no país como a tão esperada reforma no que respeita às condições salariais e contratos dos investigadores. Pelo contrário, em Espanha há mais de uma década que as bolsas de pós-doutoramento foram substituídas por contratos de trabalho. Na verdade, as «bolsas» são contratos de trabalho; em Portugal apenas em 2016 foi anunciado que assim passariam a ser, de forma gradual. Ser bolseiro é e deve ser sinónimo de excelência, tanto do ponto de vista do cientista como das suas condições contratuais.
Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?
A primeira ferramenta do GPS que me parece relevante é precisamente a localização, ao colocar os cientistas portugueses no mapa, e outra é a mobilização de pessoas com interesses comuns através da criação de comunidades e grupos. Penso que nos próximos tempos oGPS poderá ter um papel importante na recolha de dados sobre a diáspora de cientistas portugueses, na criação de espaços de comunicação entre os cientistas portugueses que trabalham no estrangeiro, na promoção de vínculos entre estes e o sistema português de Ciência e Tecnologia, e em envolver os cientistas portugueses que trabalham no estrangeiro na promoção da ciência portuguesa e de Portugal no mundo.
Consulte o perfil de Joana Magalhães no GPS-Global Portuguese Scientists.
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