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Como nasce um continente?

24 Abr 2017 - 15h24 - 4.425 caracteres

Há factos que consideramos verdades absolutas, dados que aprendemos na escola, que vêm em todos os livros, que todos sabemos.

O numero de oceanos e continentes que a terra tem é um desses factos. Todos sabemos que há seis continentes (Europa, Africa, América, Ásia, Oceânia e Antártida).

E se a verdade não for exatamente essa?

Um grupo de geólogos neozelandeses anunciou recentemente (https://www.geosociety.org/gsatoday/archive/27/3/article/GSATG321A.1.htm) ter encontrado provas de que a terra tem um sétimo continente. E até já têm um nome para ele: a Zelândia.

O novo continente fica localizado no oceano pacífico, junto à austrália, e tem 4,9 milhões de quilómetros quadrados (o equivalente ao território da Índia). Inclui as ilhas a Nova Zelândia, da Nova Caledónia bem como outras pequenas ilhas. No entanto, 94% do seu território está submerso nas águas do oceano Pacífico.

O leitor estará neste momento a perguntar-se, e com razão: mas estando debaixo de água, como pode ser um continente?

Isto acontece porque o que define um continente, do ponto de vista geológico, não é o facto de estar emerso, mas sim as características geológicas do território. Os continentes apresentam rochas ricas em sílica diversas, ígneas, magmáticas e sedimentares, enquanto os oceanos são constituídos quase exclusivamente por basaltos. A crosta continental é mais espessa e menos densa que a oceânica. Outro factor que diferencia os continentes dos oceanos é o facto de o território dos continentes estar elevado relativamente ao dos oceanos.

Porque estas rochas estavam submersas foi particularmente difícil confirmar que se tratava, efetivamente, de um continente. Na realidade os geólogos têm vindo a estudar as rochas daquela região há mais de 20 anos e só agora conseguiram reunir evidências claras de que se trata de um continente independente.

E como pode haver um continente que não conhecíamos? Estava escondido, nasceu do nada? Nasceu? Será que os continentes também nascem?

A Zelândia nasceu, de facto, mas não foi agora. Tal como um bebé demora nove meses a desenvolver-se na barriga da mãe, também os continentes precisam de tempo para se desenvolverem. Um continente demora milhões de anos a formar-se.

Este começou a formar-se a 100 milhões de anos, quando a Gondwana, um supercontinente contemporâneo dos dinossauros, começou a fragmentar para dar origem aos continentes atuais.

Esta situação, de se identificar crosta continental submersa, não é inédita. No ano passado foi editado o novo mapa de Portugal, que inclui Portugal continental, as ilhas Atlânticas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores e a plataforma continental, que corresponde à zona junto à costa portuguesa que está submersa nas águas do atlântico, mas que contém crosta continental.

Este novo mapa resultou de anos de investigação que envolveu diversas instituições públicas e dezenas de investigadores. O alargamento da plataforma continental trará a Portugal benefícios financeiros diversos, já que o país ganha direitos de soberania sobre este território para efeitos de exploração e aproveitamento de recursos naturais, minerais ou seres vivos existentes no fundo do mar e no subsolo. A proposta portuguesa de alargamento da plataforma continental está neste momento a ser analisada pela Comissão de Limites de Plataforma Continental (http://www.emepc.pt/pt/) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Como vê, caro leitor, a ciência está constantemente a evoluir e a descobrir novo conhecimento e na natureza nem tudo o que parece é.

Quem sabe se em poucos anos os seus filhos não aprenderão na escola que a terra tem 7 continentes?

 

 

Catarina Loureiro (Geóloga e comunicadora de ciência) 


© 2017 - Ciência na Imprensa Regional / Ciência Viva


Catarina Loureiro

Catarina Loureiro é geóloga, comunicadora de ciência e storyteller. Dedica o seu tempo a ler livros sobre ciência, a ouvir podcasts e escrever sobre natureza, ciência e comunicação.

É licenciada em Geologia e mestre em Património Geológico.

Apaixonada por rochas e pela história da Terra sempre se imaginou a trabalhar num laboratório de geologia até que, em 2010, tropeçou na sua verdadeira vocação: contar as estórias da natureza. Espera que as suas estórias ajudem os seus leitores a compreenderem melhor o mundo à sua volta, e acima de tudo, quer que se sintam inspirados por ele.


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