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«A entusiasmante bioinformática»

07 Jul 2017 - 14h56 - 9.896 caracteres

Entrevista a Pedro Oliveira, investigador de bioinformática que desenvolve ciência na Mount Sinai School of Medicine de Nova Iorque.

 

Nascido em Lisboa, Pedro Oliveira desenvolve investigação  nos Estados Unidos na área da bioinformática, que envolve os ramos da biologia e da computação. Esta entrevista foi realizada no âmbito do GPS - Global Portuguese Scientists, um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

 

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Sou actualmente cientista sénior na Mount Sinai School of Medicine em Nova York. A minha área de pesquisa foca-se na genómica comparativa, ou seja, utilizo a bioinformática para comparar simultaneamente várias centenas ou milhares de genomas, extraindo daí informação relevante que ajude a compreender como se organizam os genomas, como se estabelece essa organização face à dinâmica evolutiva dos genomas e de que forma certas alterações químicas nos genomas contribuem, por exemplo, para a emergência de organismos patogénicos, ou para a sua adaptação a diferentes nichos ecológicos. Dou-vos um exemplo concreto: neste momento, em articulação com uma equipa multidisciplinar, estou a tentar perceber melhor um dos mecanismos que contribuem para a virulência de uma bactéria, clostridium difficile, que é conhecida por provocar distúrbios gastro-intestinais e infecções do cólon (colite). Comparando centenas de genomas, estamos pela primeira vez a perceber a ligação entre uma modificação no ADN, denominada metilação, e a capacidade da bactéria em persistir num dado ambiente e de se transmitir ao homem.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

Ser cientista é ter o privilégio único de percorrer o caminho que medeia o sonho e a descoberta. De sermos diariamente confrontados com o desconhecido e com o surpreendente. No caso particular da bioinformática, importa olhar em primeiro lugar para a sua definição. Esta pode definir-se como o ramo da ciência que utiliza métodos computacionais para estudar o fluxo de informação em sistemas biológicos, e em particular na genética e genómica. Sendo uma área de interface, requer um conhecimento mútuo tanto da área das ciências da vida como da computação. E isso torna-a particularmente entusiasmante. Para além disso, como o número de genomas sequenciados tem vindo a aumentar exponencialmente na última década, outras sub-áreas da bioinformática floresceram. É o caso da genómica comparativa, que tal como o nome indica envolve a comparação de um elevado número de genomas da mesma espécie e/ou de espécies diferentes, por forma a determinar semelhanças e diferenças.  Esta visão holística permite-nos em última instância aceder a níveis mais complexos de organização biológica, aos quais nunca teríamos acesso através da análise de um único genoma. E esse é um aspecto adicional que, na minha opinião, torna a minha área de trabalho entusiasmante.

 

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

 

Sempre desejei fazer investigação científica. E esses períodos no estrangeiro tiveram sempre como objectivo último ampliar os meus conhecimentos em temáticas especificas nas quais esses laboratórios eram referência mundial. O primeiro deles, no final da minha licenciatura, no University College London, permitiu-me desenvolver competências específicas na área da bioengenharia e ter um primeiro contacto com a realidade científica de um outro país que não Portugal. Esta estadia foi fundamental para confirmar de uma vez por todas que gostaria de fazer uma carreira ligada à investigação científica. O meu segundo período de investigação no estrangeiro teve lugar durante o meu doutoramento no Instituto Superior Técnico, no qual surgiu a oportunidade de trabalhar algum tempo em laboratórios do Massachusetts Institute of Technology e Harvard Medical School em Boston. Na altura a ideia era complementar alguns resultados para a minha tese. Não foi fácil habituar-me a um ritmo de trabalho frenético e a um ambiente diário de competição feroz mesmo entre colegas do mesmo grupo. Por outro lado, sentia-se nos corredores daquelas universidades que mesmo as mais arrojadas ideias poderiam de facto ser postas em prática, e isso como que servia de catalisador para darmos o melhor de nós mesmos. À terceira vez saí de Portugal definitivamente. Mudei-me para Paris para realizar o meu pós-doutoramento no Instituto Pasteur, num grupo de investigação liderado por Eduardo Rocha, outro português. Para além de uma referência mundial na área da bioinformática, encontrei nele um amigo que soube fortalecer aquilo que já existia dentro de mim: uma grande paixão pela análise de genomas utilizando a computação. Após quatro anos deixei Paris e mudei-me com a minha família para Nova Iorque, onde tenho a oportunidade de conduzir a minha própria linha de investigação. Voltei a encontrar o ritmo frenético e a competição desenfreada de outros tempos. Mas desta vez encaro-os com um sorriso.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

Há de tudo um pouco. Desde os grupos muito bons, reconhecidos internacionalmente e pautados pela excelência, aos menos bons, com menor expressão no panorama científico nacional e internacional. Infelizmente, os grupos muito bons são poucos. Para piorar este cenário, existem problemas crónicos que já são conhecidos há muito. Por exemplo, na valorização da quantidade em detrimento da qualidade. Isto é visível no elevado número de publicações de trabalhos científicos sem qualquer novidade, e que apenas revisitam tópicos e conceitos que já foram debatidos e explanados até à exaustão. Na matriz essencialmente endogâmica das contratações de novos académicos. Onde a meritocracia não passa de um conceito efémero. E na ausência de políticas de avaliação verdadeiramente impulsionadoras da excelência científica. Perante tudo isto estão criadas as condições para que vários grupos de investigação (sobre)vivam sem nunca verdadeiramente se afirmarem como uma referência. E numa altura em que a opinião pública se revela tão descrente na ciência, torna-se imperativa a adopção de medidas que visem a promoção da excelência científica e o aumento da competitividade das instituições que a praticam. É certamente necessário mais investimento, mas é urgente uma mudança de paradigma, de mentalidades. Nesse sentido, encarei com relativa satisfação as recentes alterações remuneratórias aos contratos para bolseiros, o que confere um pouco mais de dignidade à sua actividade profissional. Mas muito está ainda por fazer no que diz respeito à criação de um enquadramento para o emprego científico, tal como já existe noutros países europeus. No caso particular da bioinformática, é uma área que se encontra em franca expansão em Portugal, onde existem grupos de qualidade internacional a fazer muito bom trabalho, por exemplo no Instituto Gulbenkian de Ciência.

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

Muito boa. Fiz questão de me associar a esta plataforma pouco tempo depois da sua génese por achar que cumpria uma função vital na difusão e quantificação da diáspora científica portuguesa. É um ponto de encontro entre colegas da mesma nacionalidade, que torna mais fácil a troca de informação científica e eventualmente o estabelecer de colaborações. O seu grafismo permite ao utilizador ter uma noção clara da dispersão internacional da ciência portuguesa: Quantos são? Quem são? Onde estão? O que fazem? Os meus parabéns à plataforma GPS e os desejos de que continue a inovar!

 

Consulte o perfil de Pedro Oliveira no GPS – Global Portuguese Scientists.

 

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