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«Sabia que as estrelas fazem parte de uma sinfonia estelar?»

12 Dez 2018 - 19h20 - 11.832 caracteres

Entrevista a Tiago Campante, Marie Curie Fellow de astrossismologia no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, no Porto.

 

«É como se de instrumentos musicais se tratasse. Ora, eu "ouço" o som das estrelas para desse modo medir as suas propriedades e, por conseguinte, as propriedades dos planetas que as orbitam.»

 

Entrevista:

 

Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

 

Depois de um périplo por vários países europeus (acerca do qual falarei mais à frente), regressei em 2017 à Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) como Professor Auxiliar Convidado, desenvolvendo também desde então investigação no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA). O foco do meu trabalho de investigação incide na física estelar e ciência exoplanetária, áreas nas quais conto com mais de 100 publicações em revistas científicas da especialidade (incluindo a Nature e a Science). O meu trabalho de investigação vem ainda acompanhado de papéis a nível da coordenação científica no âmbito das missões espaciais TESS da NASA e PLATO da ESA (Agência Espacial Europeia), esta última com lançamento previsto para 2026. Fui agraciado pela Comissão Europeia, em 2018, com uma prestigiante acção Marie Skłodowska-Curie, o que me permitiu consolidar o papel de investigador independente e ao mesmo tempo lançar os alicerces para a construção do meu próprio grupo de investigação. Sou também um comunicador entusiasta de ciência (hábito que trouxe "lá de fora"), dando palestras nos mais variados eventos a nível nacional e concedendo entrevistas aos meios de comunicação social de todo o mundo. Mantenho um blog científico na minha página pessoal (link aqui) onde relato as minhas actividades de investigação e divulgação, caso estejam interessados em dar lá um saltinho.

 

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

 

O leitor sabia que as estrelas no firmamento fazem parte de uma sinfonia estelar, como que de instrumentos musicais se tratassem? Ora, eu "ouço" o som das estrelas para desse modo medir as suas propriedades e, por conseguinte, as propriedades dos planetas que as orbitam.

O conceito filosófico de uma música das esferas perdurou durante milénios no imaginário do Homem. Pitágoras de Samos (sim, o tal que nos deu o famoso teorema) acreditava mesmo que o movimento dos corpos celestes era gerador de uma melodia divina. Seria, no entanto, apenas na década de 60 do século passado que os astrónomos viriam a descobrir a presença de ondas sonoras no Sol. Com efeito, a zona convectiva do Sol produz som que fica retido no seu interior. O som produzido não se propaga no vácuo, contudo manifesta-se através de oscilações à superfície do Sol, com amplitudes de apenas alguns metros por segundo ou então variações do brilho da ordem de algumas partes por milhão. A detecção de oscilações no Sol abriu caminho para o desenvolvimento da heliossismologia, a qual estuda o interior do Sol através da observação e análise das oscilações à sua superfície.

O Sol é, no entanto, apenas uma de entre muitas estrelas na nossa Galáxia. Uma consequência lógica foi, por isso, o advento da astrossismologia, a qual permite sondar o interior das demais estrelas através da observação das suas oscilações. Sir Arthur Eddington questionava, no início do século XX, "Que instrumento conseguirá atravessar a superfície de uma estrela e revelar as condições no seu interior?". Ora, hoje conhecemos a resposta a esta pergunta: esse instrumento, que também é a minha ferramenta de trabalho, chama-se astrossismologia.

 

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

 

Tal como já referi, o meu percurso académico levou-me aos mais diversos cantos da Europa. Iniciei o meu percurso na Universidade do Porto, onde em 2007 me licenciei em Física e Matemática Aplicada. Seguiu-se o doutoramento, concluído em 2012, durante o qual dividi o meu tempo entre a Universidade de Aarhus (Dinamarca) e a Universidade do Porto. Posteriormente, fiz um pós-doutoramento na Universidade de Birmingham (Reino Unido), onde permaneci durante cinco anos. Já em 2017, e após breve passagem como investigador pela Universidade de Göttingen (Alemanha), regressei então a Portugal. A minha primeira experiência como investigador no estrangeiro surgiu com o doutoramento. Sempre foi minha intenção fazer um doutoramento internacional (ou misto), uma vez que via nisso a possibilidade de alargar a minha rede de contactos e assim ganhar uma certa vantagem competitiva face aos que ficavam em solo nacional. A Universidade de Aarhus era, e continua a ser, um pólo de excelência em Astronomia e Astrofísica, o que facilitou a minha decisão quando confrontado com a oportunidade de rumar ao reino da Dinamarca. Aí deparei-me com uma forma diferente de fazer ciência, onde sobressaía o facto de a hierarquia académica ser bastante mais esbatida do que nos países meridionais.

O Reino Unido teve, porém, um impacto bem mais profundo e uma marca indelével na minha carreira futura. Durante os cinco anos que passei na Universidade de Birmingham (dizem que a sua imponente torre do relógio serviu de inspiração a J. R. R. Tolkien durante a escrita de O Senhor dos Anéis) completei a minha formação a todos os níveis como académico. Desde a prevalência do colectivo sobre o individual, à total receptividade a novas ideias, ou mesmo à franca abertura a colaborações com grupos externos, tudo foram lições valiosíssimas e que dificilmente poderia obter noutro local. Todo esta vasta e rica experiência, trouxe-a comigo para Portugal a fim de disseminá-la.

 

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

 

A Astronomia, a Astrofísica e as Ciências do Espaço estão na vanguarda da investigação científica. Promovem a inovação tecnológica, impulsionando o desenvolvimento de novos instrumentos e tecnologias, métodos de processamento de dados e estruturas computacionais, com o consequente impacto social e económico. Os frutos do desenvolvimento científico e tecnológico promovido pela Astronomia, especialmente em áreas como a óptica e a electrónica, tornaram-se essenciais ao nosso dia-a-dia, com aplicações que vão desde os computadores pessoais, aos satélites de comunicação, telemóveis, sistemas de posicionamento global, painéis solares e aparelhos de ressonância magnética.

As Ciências do Espaço são, a nível nacional, a área científica com maior factor de impacto relativo (1,65 vezes acima da média internacional) assim como a área com o maior número médio de citações por publicação científica. Esta produtividade excepcional, resultante da excelência científica e crescente reconhecimento, faz da área um dos nichos onde Portugal pode assumir papéis de liderança internacional. Neste sentido, são vários os exemplos de projectos de instrumentação para os quais o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço contribuiu de forma significativa ao longo dos últimos anos: o espectrógrafo de última geração ESPRESSO, instalado no Very Large Telescope, no Chile; o próximo caçador de exoplanetas da ESA, o CHEOPS; ou o satélite EUCLID, cujo objetivo é compreender a causa da aceleração da expansão do Universo. O reconhecimento científico e tecnológico assim obtido permitiu já ao IA assegurar papéis de relevo em projectos de instrumentação a desenvolver nas próximas duas décadas. São exemplo disso a missão espacial PLATO da ESA e o espectrógrafo HIRES a ser instalado no Extremely Large Telescope do ESO (Observatório Europeu do Sul). O grande objectivo a longo prazo é o de conseguir trazer pela primeira vez para Portugal a liderança efectiva de um projecto de instrumentação do ESO ou ESA. A acontecer, tal representaria um marco histórico para a área das Ciências do Espaço no nosso país. Trata-se de um desafio científico e tecnológico ao nosso alcance desde que garantido o necessário financiamento a médio/longo prazo.

O financiamento quer-se pois consistente e previsível, sendo que deverá ainda respeitar prazos na comunicação dos resultados. Financiamento a médio e longo prazo é preferível, de modo a sustentar a participação prolongada nas grandes missões internacionais. Estes comentários são gerais e aplicam-se igualmente a outras áreas de investigação, quer no âmbito de grupos de investigação quer no que se refere a investigadores individuais. A Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) deveria pois tomar estes aspectos em especial consideração. 

 

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

 

Apesar da ubiquidade das redes sociais nos tempos que correm, o GPS – Global Portuguese Scientists apresenta uma série de características que o distinguem das demais redes, tornando-o único e imprescindível. Ele serve de elemento agregador dos cientistas portugueses, tanto daqueles que permaneceram ou regressaram, entretanto, a Portugal como de todos os outros que emigraram. Ele é interdisciplinar, congregando engenheiros, astrónomos, biólogos, médicos etc. Tem o potencial de vir a ser usado como fonte de recrutamento ou então como ponto de partida para novas colaborações. Serve ainda como lista de contactos a ser usada pelos meios de comunicação social nacionais. Por último, desempenha efectivamente o papel de portefólio da ciência portuguesa, sendo a soma de um sem-número de valiosas contribuições individuais.

 

Consulte o perfil de Tiago Campante no GPS-Global Portuguese Scientists.

GPS é um projecto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro.

 

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos


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