Edwin Powell Hubble
Por: Sérgio Pereira
Quando olhamos o céu numa noite sem luar e num local sem iluminação vemos sobretudo estrelas. As estrelas distribuem-se por todo o céu, mas concentram-se mais ao longo de uma faixa a que os antigos gregos davam o nome ‘galáxia’, e os romanos ‘Via Láctea’. Ambos os termos significam o mesmo: uma faixa leitosa, como se leite tivesse sido derramado pelo céu.
Com o desenvolvimento dos telescópios foi possível observar em detalhe outros objetos celestes, como as nebulosas. As nebulosas são extensas nuvens de gás e poeira. Durante muito tempo, algumas destas nebulosas intrigaram os astrónomos. Eram mais difusas e pareciam ter uma estrutura em espiral, agrupando também estrelas. As estas “nebulosas difusas” dedicou Edwin Hubble a maior parte da sua vida profissional.
A importância dos contributos que Edwin Hubble deu à ciência do século XX reflete-se no telescópio espacial mais produtivo até hoje e que tem o seu nome. Hubble nasceu em 1889 no estado de Missouri, no Estados Unidos da América. Formou-se em Astronomia e Matemática na Universidade de Chicago, apesar de o pai não apreciar a ideia de o filho se dedicar ao estudo dos astros. Quando recebeu uma bolsa para estudar em Oxford, no Reino Unido, e pouco antes de o pai falecer, Edwin prometeu-lhe que se iria diplomar em Direito.
Regressado ao Estados Unidos, exerceu a advocacia apenas durante um ano. Foi professor de Física e Matemática numa escola secundária, onde se destacou também como professor de basquetebol. Acabou por voltar à Astronomia e à Universidade de Chicago para fazer o doutoramento.
Nebulosas espirais
Em 1917, enquanto escrevia a sua tese, Edwin Hubble recebeu um convite para se juntar à equipa do Observatório de Mount Wilson, na Califórnia. Este observatório tinha estreado um novo telescópio, à época o maior do mundo. Tratava-se de um telescópio refletor com um espelho de 2,5 metros de diâmetro, um instrumento excelente para fotografar em detalhe os objetos difusos no céu. Precisamente, a tese de Hubble era sobre as investigações fotográficas de nebulosas difusas.
Porém, nessa altura os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial e Hubble foi mobilizado para França. Felizmente, nunca esteve no campo de batalha e regressou vivo aos Estados Unidos em 1919. O caso de Edwin Hubble faz-nos pensar nos milhões de homens que morreram nas trincheiras e que poderiam ter contribuído para o conhecimento e progresso da Humanidade, como Hubble viria a contribuir.
Já enfim integrado na equipa do Observatório de Mount Wilson, Hubble começou por prosseguir o seu trabalho de doutoramento, estudando as “nebulosas espirais difusas”. A certa altura descobriu o que, à primeira vista, parecia ser uma nova estrela naquela que era então designada Nebulosa de Andrómeda. Revelou-se ser afinal uma estrela de brilho variável, e de um certo tipo, as que os astrónomos chamam Cefeidas (a primeira destas estrelas foi descoberta na constelação do Cefeu).
Uma astrónoma, também norte-americana, Henrietta Leavitt, havia descoberto em 1912 uma relação estreita entre o brilho médio das estrelas Cefeidas e o período de variação desse brilho. Esta relação permitia utilizar estas estrelas para determinar distâncias no Universo.
Tendo descoberto uma Cefeida na Nebulosa de Andrómeda, Hubble usou o método proposto por Leavitt para conhecer a distância à nebulosa. Calculou o valor de quase um milhão de anos-luz (o valor conhecido hoje é de mais de dois milhões de anos-luz).
Um colega de Hubble, Harlow Shapley, havia utilizado o mesmo método de Henrietta Leavitt, mas com um outro tipo de estrelas variáveis, para determinar o tamanho da galáxia, ou seja, para saber quão longe no espaço se distribuem as estrelas que vemos no céu. Verificou que estas se estendiam até 300 000 anos-luz (o tamanho da Via Láctea aceite hoje é de 100 000 anos-luz).
Claramente a Nebulosa de Andrómeda encontrava-se fora do conjunto de estrelas que vemos no céu. Edwin Hubble prosseguiu o seu trabalho estudando outras “nebulosas espirais” e sucessivamente verificou encontrarem-se também elas muito para lá da distância determinada por Shapley.
A descoberta do Cosmos
Estes dados obtidos por Edwin Hubble foram divulgados em 1925, numa altura em que a comunidade astronómica já se dividia quanto à natureza dessas nebulosas espirais. Ironicamente, Harlow Shapley acreditava que as “nebulosas espirais” faziam parte da galáxia, ou seja, como muitos dos seus colegas, acreditava que a galáxia era todo o Universo e que estas nebulosas eram relativamente pequenas e situadas dentro dos limites da galáxia.
Nesta matéria, Shapley confrontara-se em 1920 com um outro astrónomo norte-americano, Heber Curtis. Curtis representava uma outra visão na comunidade astronómica, a qual defendia que estes objetos difusos eram conjuntos estelares grandes e distantes, outros universos-ilha à semelhança da galáxia.
Foi Hubble que teve o mérito de solucionar este problema, mostrando que a visão de Curtis era a correta. Os jornais publicaram a notícia da descoberta de “um outro universo para além do nosso”, utilizando o termo “universo” para o que hoje chamamos “galáxia”.
Com esta descoberta, Hubble fez explodir a nossa noção de Espaço e revelou o Cosmos à Humanidade, mostrando que a nossa galáxia, onde se insere o Sistema Solar, é uma de entre centenas (hoje sabemos serem milhares de milhões) de outros universos-ilha.
Edwin Hubble, com acesso a um telescópio de excelência, pôde fotografar em detalhe essas galáxias, a que ele continuou a chamar de “nebulosas extragalácticas”, ou seja, nebulosas que estão fora da (nossa) galáxia. Estudou-lhes as formas e propôs uma classificação.
Embora a classificação de Hubble tenha sido interpretada por alguns como uma possível evolução entre tipos de galáxias, ele sublinhou que se tratava apenas de uma classificação morfológica. Os astrónomos utilizam-na ainda hoje, referindo-se às galáxias com os mesmos termos avançados por Hubble: elípticas, lenticulares, espirais, espirais barradas e irregulares.
A fuga das galáxias
Um outro astrónomo, de nome Vesto Slipher, no Observatório Lowell, tinha-se questionado sobre se as “nebulosas espirais” se encontravam paradas ou se moviam. Analisando a luz proveniente destas, verificou que rodam sobre si próprias, e também que todas se afastam de nós.
Hubble prosseguiu este trabalho. Primeiro associou às velocidades determinadas por Slipher as distâncias que ele próprio estava a reunir para estes objetos. Com a ajuda de um colega, Milton Humason, reuniu as velocidades e as distâncias para ainda outras “nebulosas extragalácticas”.
Chegou a uma relação curiosa: quanto mais longe elas estão de nós, mais rapidamente se estão a afastar. A única forma de interpretar esta relação é a de que o espaço se está a expandir, de tal forma que cada um dos “universos-ilha” dentro dele se afasta de todos os outros.
Esta revelação foi publicada em 1929, numa altura em que Albert Einstein era já famoso pela sua Teoria da Relatividade Geral. Na verdade, a expansão do Universo encontrava-se já nas suas equações publicadas em 1915. Nessa altura, porém, ainda antes de serem conhecidos os “outros universos” descobertos por Hubble, a comunidade científica acreditava que o Universo era estático.
Einstein inserira então uma constante nas suas equações para que a sua solução fosse um Universo estático. Após a revelação de Hubble, Einstein afirmou que essa constante tinha sido o maior erro da sua vida.
Um telescópio homónimo, e uma nova revolução
Em honra e memória de Edwin Powell Hubble, o telescópio espacial lançado em 1990 recebeu o seu nome. Há quase 30 anos no espaço, o telescópio Hubble ainda é utilizado para produzir ciência. Curiosamente, foi utilizado no final dos anos de 1990s para prosseguir o trabalho de Hubble.
Uma equipa internacional utilizou um tipo de explosão estelar (um certo tipo de supernova) à semelhança da utilização que Hubble fizera das estrelas Cefeidas. Fê-lo, porém, para determinar distâncias ainda maiores, e conhecer a velocidade de galáxias ainda mais longínquas.
Além de confirmarem uma vez mais a expansão do Universo, verificaram que as galáxias mais longínquas não apenas se estão a afastar mais depressa, como o estão a fazer de forma acelerada. Tal parece indicar que a expansão será irreversível.
Mais extraordinário ainda, aponta para a existência de uma força que contraria a gravidade e impele essa expansão. Os cientistas chamam-lhe “energia escura”.
Um pouco como Edwin Hubble revelou o Cosmos, o telescópio espacial Hubble ajudou a revelar que três quartos desse Cosmos são feitos de algo – essa energia escura – cuja natureza nos é ainda totalmente desconhecida.
“Estrelas que brilham no tempo” é uma rubrica com que o Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço se associa à celebração dos 100 anos da União Astronómica Internacional (IAU), recordando figuras importantes na história da astronomia dos últimos 100 anos.
Por Sérgio Pereira, Grupo de Comunicação de Ciência do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.
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Sérgio Pereira
Sérgio Pereira é Comunicador de Ciência no Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, onde planeia e produz conteúdos, eventos e projetos com o objetivo de envolver a sociedade na ciência e na tecnologia ligadas ao Espaço e ao Universo.
É mestre em Comunicação de Ciência com especialização em jornalismo de revista e formação inicial em Design de Comunicação. Trabalhou vários anos no desenvolvimento de soluções web em agências de comunicação digital.
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