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Pinguins depravados

20 Jun 2012 - 12h59 - 2.400 caracteres

Alguns “factos da Natureza” foram de difícil aceitação nos primórdios da biologia evolutiva. E isso parece ter sido o que aconteceu a George Murray Levick quando participou na expedição do Capitão Robert Scott ao Pólo Sul, nos idos de 1910, como oficial médico. Ao observar o comportamento dos pinguins-de-Adélia numa colónia do Cabo Adare, ficou de tal forma chocado, que as notas que tomou no seu caderno a este respeito estavam escritas, em jeito de código, em grego! Ainda assim, ao regressar a Inglaterra, tentou publicar um artigo intitulado “A história natural do pinguim-de-Adélia”, mas este não passou as malhas da puritana sociedade científica da época. A versão publicada não fazia referência ao comportamento sexual das aves e apenas umas meras 100 cópias com a descrição completa foram enviadas a um grupo seleccionado de cientistas.

Estas notas e o artigo “proibido” foram redescobertas e vão ser publicadas na revista Polar Record, pelas mãos de Douglas G.D. Russell, William J.L. Sladen e David G. Ainley. Segundo os autores desta publicação, Levick “apresentava dados sobre a frequência da actividade sexual dos pinguins, comportamentos auto-eróticos e comportamentos aparentemente aberrantes de jovens machos e fêmeas sem parceiro que incluíam a necrofilia, sexo forçado, abuso sexual e violência sobre crias, sexo não-procriativo e comportamento homossexual. As suas observações eram, no entanto, rigorosas, válidas e, à luz da ciência actual, merecedoras de publicação.” Para além de publicarem o texto original de Levick, Russel e os co-autores apresentam novas interpretações para os dados recolhidos há cerca de 100 anos atrás.

Desde que Charles Darwin propôs a ideia da Selecção Sexual, a nossa visão sobre a sexualidade e sobre o comportamento reprodutivo dos animais tem-se vindo a transformar. Hoje, sabemos que a selecção sexual é uma das grandes forças da evolução, que molda as espécies e que pode ter um papel fundamental nas sociedades animais, incluindo a humana. Sabemos também que a homossexualidade não é exclusiva dos seres humanos, com cada vez mais casos descritos noutros animais.

Actos como os descritos por Levick, embora ainda chocantes para muitos, são hoje considerados pelos biólogos como adaptações evolutivas ou sub-produtos de adaptações. Mas, naquela época, foram considerados tão escandalosos que foram anotados em grego e nem pela comunidade científica foram difundidos.

 

Diana Barbosa

 

Ciência na Imprensa Regional

 

Referência:

D. G.D. Russell et al. (2012) Polar Record doi:10.1017/S0032247412000216


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Diana Barbosa

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