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Alterações climáticas e desflorestação: quando o passado distante afecta o presente

23 Jul 2012 - 23h00 - 4.572 caracteres

É inegável o impacto que a desflorestação tem sobre a perda de biodiversidade do planeta. A ilha de Madagáscar, rica em espécies endémicas, tem sido particularmente atingida por desflorestação e subsequente destruição de habitats, em resultado, pensa-se, de empobrecimento de comunidades, atividade económicas e aumento populacional. Agora, um novo estudo realizado por uma equipa internacional, coordenado por Lounès Chikhi (http://www.igc.gulbenkian.pt/research/unit/88), investigador principal do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) e também no CNRS (Toulouse, França), questiona a narrativa dominante, entre a comunidade científica e organizações de conservação ambiental, da atividade humana como causa primária da degradação de ecossistemas tropicais. O estudo sugere a necessidade de se reavaliar o impacto de comunidades locais no meio ambiente.

Publicado no último número da revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) *, o trabalho mostra que a população de sifacas-de-coroa-dourada (Propithecus tattersalli), habitantes da região Daraina no norte de Madagáscar, de facto contraiu marcadamente, porém numa época anterior à chegada de humanos à ilha. Recorrendo a fotografias aéreas e de satélite da região, os investigadores concluíram que a densidade florestal nesta região se tem mantido inalterada nos últimos 60 anos, excluindo, desta forma, qualquer impacto marcante de humanos sobre o meio ambiente.

Estes resultados, combinados com registos paleontológicos e históricos, sugerem que os habitats abertos da região de Daraina de hoje resultam de alterações climáticas pré-humanas. As secas do Holocénio há 10,000 a 4,000 anos, por exemplo, poderão ter levado, no norte de Madagáscar, ao aumento da desflorestação, e subsequente redução no número de sifacas-de-coroa-dourada, que vivem nas árvores.

A equipa combinou dados genéticos, que conservam “assinaturas” específicas de grandes alterações populacionais (contrações ou expansões), com dados de recolha remota (como fotografias aéreas e de satélite), para analisar uma das mais controversas e duradouras questões na biologia da conservação: como distinguir as contribuições de fatores humanos e naturais para as alterações em ecossistemas.

Os resultados deste estudo são muito relevantes para as comunidades de climatologistas, ecologistas, biólogos evolutivos e de conservação, como diz Lounès Chikhi, “Não há dúvida de que, desde a sua chegada à ilha, os humanos têm sido dos principais agentes na extinção de várias espécies em Madagáscar. Embora os nossos resultados digam respeito a uma zona específica de Madagáscar, apontam para a importância de projetos de conservação integrarem especificidades regionais. A presença de humanos poderá não ser a única causa de perda de biodiversidade, como demonstrámos. Por isso, é arriscado alienar as comunidades locais, obrigando-as a abandonar as suas terras, em vez de trabalhar com essas comunidades, no sentido de encontrar soluções locais, que assegurem uma gestão de recursos sustentável”.

Lounès Chikhi salienta que, apesar dos resultados que agora obtiveram, não existem razões para demasiado optimismo – o IUCN (International Union for Conservation of Nature) propôs recentemente a inclusão da sifaca-de-coroa-dourada na sua Lista Vermelha, classificada como espécie em perigo crítico (http://m.bbc.co.uk/news/science-environment-18825901). A região de Daraina poderá ser afectada por planos para asfaltar a estrada que atravessa a região, e, por outro lado, o aumento de caça furtiva e exploração mineira que se têm verificado desde o golpe político em 2009, tornam as ações de conservação cada vez mais necessárias.

O trabalho de campo foi possibilitado por várias organizações: IDEA WILD, Conservation des Espècies et Populations Animales e FANAMBY. O estudo foi financiado principalmente pelo Centre National de la Recherche Scientifique (France), Ministère de l’Éducation Nationale, de la Recherche et de la Technologie (France), Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) e IGC (Portugal).

 

 

Ana Godinho (IGC)

 

Ciência na Imprensa Regional

 

 

Referência do artigo:

* Erwan Quéméré, Xavier Amelot, Julie Pierson, Brigitte Crouau-Roy and Lounès Chikhi. (2012) Genetic data suggest a natural prehumen origin of open habitats in northern Madagascar and question the deforestation narrative in this region. Proceedings of the National Academy of Science USA.

 

Legenda Imagem: O sifaca-de-coroa-dourada (Propithecus tattersalli), habitante das florestas da região de Daraine, no norte de Madagáscar (Fonte: Lounès Chikhi, IGC).


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Ana Godinho

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