Golfinhos cultos usam esponjas
Por: Cristina Brito
Há pouco tempo escrevi num texto a expressão “culturas humanas” e corrigiram-me “o termo cultura implica que é humana”. Isto de trabalhar num domínio científico misto tem vantagens e eu realmente tinha razão quanto à necessidade de identificar o tipo de cultura. Existem outras espécies animais, para além dos humanos, que são culturais.
Os seres humanos são seres sociais e culturais. Muitos outros animais são também sociais, já grupos de espécies identificados como culturais são poucos. Ou nem por isso? O uso de instrumentos por animais é de interesse óbvio para a ciência dada a sua relação com a inteligência, inovação e comportamento cultural. Na verdade, durante séculos, filósofos e cientistas têm debatido se o comportamento cultural distingue os Homo dos outros grupos taxonómicos. Os estudiosos concordam que a aprendizagem social é um pré-requisito para a existência de cultura e que esta é uma fonte de uniformidade dentro e entre grupos. No entanto, o conceito de grupo não é claro em todas as sociedades animais. Tal como os humanos, os golfinhos-roazes de Shark Bay (Austrália) vivem em comunidade aberta, com dinâmicas de fissão-fusão nas quais os membros criam ligações preferenciais de longo-termo, mas onde as associações são temporal e espacialmente variáveis ao longo de minutos, dias ou anos.
Nestes golfinhos é de há muito conhecido o uso de esponjas para capturar presas, sendo o caso melhor documentado do uso de instrumentos em cetáceos e único no meio natural. Para além disso, é um exemplo excecional de heterogeneidade do uso de utensílios, o que permite testar afiliações preferenciais, já que apenas um sub-conjunto da população usa as esponjas. Esta uma atividade solitária, que apenas 55 golfinhos da população executam, mas durante a qual as crias acompanham as mães. A aprendizagem social vertical deverá ser o principal mecanismo de transmissão do comportamento (já confirmado em estudos genéticos).
Será, então, que os golfinhos que usam esponjas para capturar peixes terão tendência para se associar aos seus similares (homofilia) tendo por base esta técnica alimentar socialmente adquirida? Um estudo recente sugere que os golfinhos que usam esponjas partilham realmente uma identidade de grupo, sendo a afiliação uma consequência da similaridade desta característica social, em muito se assemelhando a (sub) culturas humanas.
Os golfinhos são, pois, candidatos a futuros estudos sobre o comportamento cultural dado o seu sistema social flexível, repertórios comportamentais plásticos, capacidades de aprendizagem vocal e imitação, elevada tolerância social, histórias vitais lentas e cérebros grandes. E é assim que os nossos parentes do mar se aproximam um pouco mais de nós. Os seus membros anteriores não são mãos, mas barbatanas. No entanto, estes animais parecem ser igualmente hábeis no uso de utensílios devidamente adaptados às suas características físicas e ao meio ambiente. E é no mar que evoluem as suas sociedades e formas muito próprias de cultura.
Cristina Brito
Ciência na Imprensa Regional
Referência artigo:
Mann J, Stanton MA, Patterson EM, Bienenstock EJ, Singh LO. 2012. Social networks reveal cultural behaviour in tool-using using dolphins. Nat. Commun. 3:980. doi: 10.1038/ncomms1983 (2012).
http://www.nature.com/ncomms/journal/v3/n7/full/ncomms1983.html?WT.ec_id=NCOMMS-20120731
Créditos da foto: foto de Ewa Krzyszczyk; http://www.monkeymiadolphins.org.
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Cristina Brito
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