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A efeméride que ficou por comemorar: 150 anos da definição de célula

30 Dez 2011 - 18h34 - 3.893 caracteres

No ano de 2011 ocorreu uma efeméride que passou totalmente desapercebida a todos e à maior parte da comunidade científica: os 150 anos da definição de célula do biólogo alemão Max Schultze (1825 – 1874). O reparo surgiu de uma carta enviada pelo biólogo alemão U. Kutschera (Instituto de Biologia da Universidade de Kassel, Alemanha) ao editor da revista Nature, publicada a 22 de Dezembro de 2011 (http://www.nature.com/nature/journal/v480/n7378/full/480457c.html).

Max Schultze é conhecido dos neurocientistas pela sua identificação e caracterização das terminações nervosas associadas aos órgãos sensoriais, e o seu trabalho minucioso sobre as diferentes células componentes da retina é pioneiro. Dos hematologistas pela sua contribuição definitiva para a identificação das plaquetas sanguíneas. O seu papel enquanto microscopista é incontornável e foi fundador da revista Archiv für mikroskopische Anatomie, em 1865, sendo seu director até ao ano da sua morte. Contudo, é uma personagem quase esquecida na história da biologia. Uma pesquisa breve na internet permite verificar que Schultze é pioneiro da observação intracelular, anatomista e histologista de excelência, mas a sua contribuição paradigmática para a Teoria Celular é, de facto, pouco referida.

Ao comparar observações microscópicas da composição intracelular (protoplasmática) de tecidos musculares de animais, com as de organismos unicelulares como os protozoários, Schultze entendeu que a definição para célula primeiramente baptizada, em 1665, por Robert Hooke (personagem marcante da revolução científica do século XVII) a partir da palavra latina “cella” (pequena divisão ou quarto de paredes rígidas), estava muito incompleta.

A célula, unidade da vida tal como tinha sido postulado na Teoria Celular de Schwann e Schleiden, em 1839, tinha de ser definida de forma mais completa e…universal. Não podia reduzir-se à sua membrana ou parede exterior, tinha que ganhar outra dimensão com a sua natureza interior. Tinha de incluir os componentes intracelulares observados por Schultze como comuns a células de tecidos animais e a organismos unicelulares. Schultze notou de que havia uma história comum a todas as células, ou melhor, a todos os organismos e que essa história estava inscrita no seio da célula.

O seu trabalho contribuiu, assim e decididamente, para dar novos horizontes para a Teoria Celular. A publicação em 1861 do seu artigo intitulado “On muscle-particles and what we should call a cell” (Archiv für Anatomie, Physiologie und wissenschaftliche Medicin, 1861, 1–27) pode ser considerada a pedra basilar da Biologia e Fisiologia Celular. Neste artigo, Schultze discute as suas observações das “partículas” componentes das células musculares e sobre o que é que pode ser designado ou não por célula.

Apesar de ter caído em esquecimento, Schultze causou à época uma ruptura paradigmática com a sua definição de célula e abriu novos horizontes conceptuais para o entendimento do conceito de célula e, muito mais significativo, o da evolução da célula, o da noção de uma célula ancestral comum a todos os organismos vivos. Este aspecto ganha outra relevância se atentarmos a que “A Origem das Espécies” de Charles Darwin tinha sido publicada cerca de três anos antes, em 1858. Tudo estava em revolução!

Os avanços na instrumentação microscópica não terão sido alheios ao da nova definição. É que a célula é a mesma para Schultze e para Hooke. A tecnologia marca a diferença na capacidade de observação, e logo, no avanço do conhecimento da natureza celular.

Ainda hoje é assim. Aliás, é assim desde que a ciência experimental se tornou moderna pela utilização de instrumentos nas observações científicas. E isto ocorreu, não pela observação do microscópico, mas sim do longínquo com o telescópio, ou melhor, com a luneta de Galileu Galilei, no ido mês de Março de 1610.

António Piedade

Ciência na Imprensa Regional


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António Piedade

António Piedade é Bioquímico e Comunicador de Ciência. Publicou mais 700 artigos e crónicas de divulgação científica na imprensa portuguesa e 20 artigos em revistas científicas internacionais. É autor de nove livros de divulgação de ciência: "Íris Científica" (Mar da Palavra, 2005 - Plano Nacional de Leitura),"Caminhos de Ciência" com prefácio de Carlos Fiolhais (Imprensa Universidade de Coimbra, 2011), "Silêncio Prodigioso" (Ed. autor, 2012), "Íris Científica 2" (Ed. autor, 2014), "Diálogos com Ciência" (Ed. autor, 2015) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Íris Científica 3" (Ed. autor, 2016), "Íris Científica 4" (Ed. autor, 2017), "Íris Científica 5" (Ed. autor) prefaciado por Carlos Fiolhais, "Diálogos com Ciência" (Ed. Trinta por um Linha, 2019 - Plano Nacional de Leitura) prefaciado por Carlos Fiolhais. Organiza regularmente ciclos de palestras de divulgação científica, entre os quais, o já muito popular "Ciência às Seis". Profere regularmente palestras de divulgação científica em escolas e outras instituições.


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