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Conhecer de perto o animal mais perigoso do mundo

03 Jan 2013 - 11h21 - 3.900 caracteres

Uma equipa de investigadores do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto IBMC*, no Porto, em parceria com colegas em Espanha e França, desvendou o mecanismo utilizado pelos mosquitos do género Anopheles para evitar a coagulação do sangue. O trabalho foi publicado pela revista Proceedings of the National Academy of Sciences em Dezembro de 2012 e abre caminho ao desenho de novas moléculas sintéticas para o tratamento de problemas cardiovasculares.

 

A autoria do trabalho é repartida por várias equipas internacionais, de onde se destacam grupos da Universidade Pompeu Fabra, do Hospital de Sant Pau de Barcelona e do European Synchrotron Radiation Facility (Grenoble). Pedro Pereira, investigador principal da equipa que liderou o estudo, no Instituto de Biologia Molecular e Celular, reconhece que “a molécula, designada anophelin, é admiravelmente pequena e muito simples, sendo no entanto bastante eficaz”, ao contrário de outras que já caracterizou e que foram extraídas de outros animais hematófagos, como a carraça dos bovinos ou a sanguessuga terrestre indiana.

 

A exploração de produtos desenhados pela natureza tem estado na mira da investigação farmacêutica como fonte de novos fármacos. Entre estes estão as moléculas das glândulas salivares e do sistema digestivo que os animais hematófagos produzem para evitar a coagulação do sangue do hospedeiro, enquanto se alimentam e durante a digestão. Ana Figueiredo, primeira autora do trabalho, explica que “apesar de terem sempre o mesmo objectivo, impedir a coagulação, as características de cada molécula são muito específicas de cada grupo de animais e seguem estratégias diferentes”. Para Pedro Pereira a elegância na estratégia do mosquito da malária está no facto de as moléculas serem “muito pequenas e, portanto, mais fáceis de imitar por compostos concebidos artificialmente”, quando comparadas com, por exemplo, “as carraças, cujas moléculas anticoagulantes são quatro vezes maiores”.

 

A molécula, produzida pelo grupo de mosquitos ao qual pertence o vector da malária (género Anopheles), já havia sido isolada e caracterizada por uma equipa norte americana que a sujeitou a patenteamento como anticoagulante. Questionado sobre o assunto, Pedro Pereira explica que “a maioria dos hematófagos possuem moléculas anticoagulantes potencialmente interessantes para usos biomédicos, muitas delas já patenteadas. Mas o que se desconhece”, adianta, “é forma como elas funcionam”, sendo este trabalho “um enorme contributo para o desenho de outras moléculas artificiais”. Segundo se lê no artigo, a anophelin, presente em todos os mosquitos vectores da malária, apresenta uma abordagem radicalmente inovadora no controlo do sistema de coagulação do hospedeiro. Tendo como alvo a trombina, enzima central do processo de coagulação, a anophelin tira partido de locais de reconhecimento normalmente ocupados por substratos naturais (por ex. fibrinogénio) para se ligar de forma específica, impedindo que a trombina desempenhe o seu papel fisiológico. A anophelin liga-se à enzima (trombina) na direcção oposta à dos substratos naturais, impedindo de forma eficiente a coagulação, evitando, ao mesmo tempo, ser inativada como se de um normal substrato se tratasse. A equipa de investigadores identificou, ainda, qual a porção da molécula essencial para a atividade anticoagulante, a qual corresponde a cerca de metade da molécula de anophelin originalmente descrita.

 

Dado o seu tamanho relativamente reduzido e a especificidade dos contactos que estabelece com o seu alvo, a anophelin pode servir de base ao desenho de fármacos sintéticos, administráveis por via oral e com efeitos secundários reduzidos, que possam ser usados na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares.

 

Assim, uma molécula isolada do perigoso vector de uma doença potencialmente fatal (há 500 milhões de pacientes de malária em todo o mundo), pode um dia ajudar a salvar vidas.

 

Júlio Borlido Santos (IBMC)

 

Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

 

NOTAS AO EDITOR

Sobre a Equipa do IBMC:

Pedro Pereira lidera o grupo de Estrutura Biomolecular no IBMC, o qual se dedica principalmente a compreender a estrutura e função de proteínas, com ênfase principal em enzimas com potencial biomédico.

http://www.ibmc.up.pt/research/research-groups/biomolecular-structure

 

Link direto para a publicação:

http://www.pnas.org/content/109/52/E3649.abstract.html?etoc

 

FIGURA ASSOCIADA:

Representação 3D da trombina, a branco, ligada à anophelin, a azul (primeiro plano). Em segundo plano vêem-se trombinas ligadas a substratos, neste caso o fibrinogénio (a laranja)

 


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Júlio Borlido Santos

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