Cientistas portugueses descobrem que rearranjos dos cromossomas podem ser benéficos
Por: Inês Domingues (iMM)
Num estudo pioneiro publicado no último número da revista científica Nature Communications, uma equipa de investigação do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) liderada por Miguel Godinho Ferreira em colaboração com Isabel Gordo, mostram pela primeira vez que rearranjos nos cromossomas (tais como inversões ou translocações) podem ser vantajosos para as células que os possuem, dependendo do ambiente ao qual estão expostas. Este estudo contribui para uma melhor compreensão de diferentes problemas biológicos, entre os quais: como células cancerígenas que têm rearranjos cromossómicos podem crescer mais do que células normais, ou como organismos que estão no mesmo local físico podem evoluir para originar espécies distintas.
Os rearranjos cromossómicos consistem em partes de um cromossoma que são recolocadas noutra região do mesmo cromossoma ou de um diferente. Frequentemente este tipo de mutações encontra-se em células cancerígenas, mas também existem em indivíduos que não apresentam nenhuma doença conhecida. O impacto que os rearranjos cromossómicos têm na fitness de um organismo, i.e., na sua capacidade para sobreviver e reproduzir-se, era até agora desconhecido. A equipa de Miguel Godinho Ferreira propôs-se clarificar esta questão.
Usando como organismo modelo a levedura Schizosaccharomyces pombe (S. pombe), a equipa de investigação observou que os rearranjos cromossómicos ocorrem naturalmente em populações de levedura. Para investigar melhor os efeitos destas mutações no crescimento das leveduras, construíram estirpes de leveduras com segmentos de cromossomas localizados em diferentes regiões, sem no entanto interromper a expressão de nenhum gene e assim manter o mesmo código genético.
Surpreendentemente, embora contendo exatamente a mesma informação genética que a levedura normal, as estirpes mutantes apresentavam diferentes capacidades de crescimento, mostrando que alguns rearranjos cromossómicos são benéficos enquanto outros são prejudiciais. Para além disso, quando se altera o ambiente de crescimento, os rearranjos aparentemente prejudiciais podem tornar-se benéficos, favorecendo o crescimento daquela estirpe em relação às restantes. Com base nas observações obtidas, a equipa de investigação propôs que as estruturas cromossómicas são “talhadas” pela seleção natural para um determinado ambiente.
Mas por que é que as estirpes mutantes com a mesma sequência de ADN e genes se comportam de maneira tão diferente? Os investigadores observaram que a ativação e expressão dos genes diverge nas diferentes estirpes, o que só pode resultar da nova localização dos genes face ao rearranjo dos cromossomas.
Ana Teresa Avelar, primeira autora do artigo, diz: “As nossas estirpes de levedura com variantes cromossómicas têm exatamente a mesma sequência de ADN. Nós apenas mudámos a localização das sequências dos cromossomas. Deste modo, as nossas experiências mostram pela primeira vez os efeitos originados por alterações na arquitetura dos cromossomas.”
Miguel Godinho Ferreira acrescenta: “Podemos agora inferir como as células cancerígenas, com rearranjos cromossómicos, conseguem adaptar-se e crescer mais depressa do que as células normais; como pessoas com diferentes cromossomas podem ter problemas de infertilidade sem se aperceberem disso; e como estes rearranjos cromossómicos podem ser mantidos na população sem serem eliminados. E novas questões surgem com este trabalho. Como os rearranjos cromossómicos ocorrem espontaneamente na natureza, poderão ser o passo inicial que leva à origem de novas espécies?”
Este trabalho foi desenvolvido no IGC e financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Portugal) e pelo Howard Hughes Medical Institute (EUA).
Inês Domingues (IGC)
REFERÊNCIA DO ARTIGO
Avelar, A.T., Perfeito, L., Gordo, I. and Ferreira, M.G. (2013) Genome architecture is a selectable trait that can be maintained by antagonistic pleiotropy. Nature Communications 4: 2235 doi: 10.1038/ncomms3235
LEGENDA DA FIGURA: Miguel Godinho Ferreira e Isabel Gordo (IGC); Créditos: IGC
NOTAS PARA O EDITOR:
S. pombe, a levedura africana da cerveja (pombe quer dizer cerveja em swahili) é um organismo composto por apenas uma célula, mas que é capaz de se reproduzir de dois modos: por fissão, onde a célula de levedura se divide ao meio originando dois indivíduos idênticos, ou por reprodução sexuada, através do cruzamento entre leveduras de sexos opostos.
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Inês Domingues (iMM)
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