Como se criam as rotinas no nosso cérebro?
Estudo de neurocientistas da Fundação Champalimaud desafia dogma científico sobre como aprendemos a selecionar que ações fazer, ou não.
Seria certamente muito estranho ver alguém a chamar um elevador pressionando o botão com o nariz, ou com um cotovelo. Mas, na verdade, por que não? Qualquer pessoa que já tenha pedido a uma criança para chamar o elevador sabe muito bem que o dedo indicador poderá não ser a sua primeira escolha. Mas porque é que acabamos por usar o dedo, e não o nariz, ou o cotovelo? Como é que o cérebro escolhe a ação ótima para atingir um objetivo e, em seguida, repete-a até que esta se torne um hábito?
No estudo publicado a 4 de Abril na revista científica Current Biology, neurocientistas do Champalimaud Centre for the Unknown vêm desafiar a forma como a comunidade científica tem vindo a pensar sobre como as ações são selecionados e os hábitos são formados no cérebro.
Mas e como é que o cérebro seleciona uma determinada ação? O que se pensa é que se trata de um processo mediado por dois circuitos conhecidos por via direta e via indireta, localizados numa zona do cérebro chamada gânglios da base. O modelo atual é que a via direta é responsável pelo envio do sinal “positivo”, que promove a execução de uma ação - voltando ao exemplo do elevador, que nos faz pressionar o botão do elevador; e a via indireta, é descrita como aquela que envia o sinal “negativo” que faz com que se evite aquela ação.
O que este novo estudo vem revelar é que estas duas vias nem sempre estão a competir uma com a outra mas sim funcionam simultaneamente para promover resultados distintos, do tipo “positivo”.
"O que descobrimos foi que, ao contrário do que se pensava, a via indireta nem sempre bloqueia a execução de determinadas ações, aliás esta via até pode servir para reforçar o desempenho dessas mesmas ações. O que o nosso trabalho revela é que a via indireta é responsável pela promoção de um tipo específico de ações, os hábitos" - explica Rui Costa, investigador principal deste estudo.
Segundo Pedro Galvão-Ferreira, um dos co-autores do estudo, "Os hábitos são um tipo de ação muito importante no nosso dia-a-dia. Por hábito entendemos uma ação automática, que já foi tantas vezes repetida e ensaiada, que podemos confiar que vai sair bem, mesmo sem termos que lhe prestar particular atenção.” E acrescenta, “Neste momento ainda não se sabe se executar um hábito é menos dispendioso, do ponto de vista energético, para o cérebro. No entanto, o que a nossa experiência nos diz é que é mais fácil executar várias ações automáticas ao mesmo tempo do que desempenhar ações intencionais que são para nós uma novidade.”
Para estudarem como é que as duas vias funcionam na seleção do tipo de ação, os investigadores recorreram a ferramentas que permitem a ativação seletiva de cada uma das vias no cérebro de ratinhos. "Ao contrário do que se pensava, quando ativámos seletivamente a via indireta, em vez de inibir as ações dos ratinhos, observámos um reforço dessas mesmas ações. No entanto essas ações rapidamente se tornavam num hábito.”
“Percebermos o funcionamento dos gânglios da base não é só fundamental para conseguirmos compreender como é que o cérebro seleciona e gera ações, mas também para perceber a base de alguns distúrbios neurais, tais como a doença de Parkinson ou a perturbação obsessiva-compulsiva, cuja origem está relacionada com o mau funcionamento desta zona do cérebro."- Explica Rui Costa.
“Ainda há muito por descobrir sobre estas áreas do cérebro. Por exemplo, como mostramos no nosso estudo, as vias direta e indireta parecem nem sempre competir uma com a outra e serem ambas importantes para conseguirmos executar ações. No exemplo do elevador, a via direta poderá estar a promover que o nosso dedo pressione o botão do elevador, enquanto a via indireta inibe que o façamos com o nariz ".
Este estudo foi publicado a 4 de Abril na revista científica Current Biology: Vicente AM *, Galvão-Ferreira P *, Tecuapetla F, Costa RM. Direct and indirect dorsolateral striatum pathways reinforce different action strategies.
Fundação Champalimaud
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