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Como é que as bactérias se põem em forma?

06 Set 2016 - 15h59 - 5.226 caracteres

Há bactérias com forma redonda e outras de forma alongada, e o motivo biológico para a existência das diferentes formas é desconhecido. Nunca se conseguiu provocar a transição da forma redonda para forma alongada em bactérias, e até agora pensava-se que não podia ocorrer. Parecia que as bactérias esféricas tinham perdido por completo a capacidade de ter outra forma, seriam uma espécie de “fim de linha” na evolução da estirpe.

A partir de agora, sabe-se que é afinal possível alongar bactérias redondas, segundo os resultados do grupo da investigadora Mariana Gomes de Pinho, do Instituto de Tecnologia Química e Biológica ITQB NOVA, publicados no dia 6 de Setembro na revista da Sociedade Americana de Microbiologia.

“As análises filogenéticas sugeriam que os cocos actuais podiam resultar do processo de selecção natural de bactérias que tiveram forma alongada em tempos, e que terão perdido a maquinaria bioquímica responsável por essa forma. Baseando-nos nessa possibilidade, nós e outros grupos de investigação em todo o mundo tentámos gerar células alongadas de cocos esféricos usando proteínas do citoesqueleto que são responsáveis por esse processo em bacilos. Esta estratégia falhou, e não existia qualquer dado científico que justificasse a transição cocos-para-bacilo, o que dava corpo à hipótese de que a forma esférica é um beco sem saída evolucionário”, conta Mariana Gomes de Pinho, autora principal deste trabalho.  “Estes nossos novos resultados demonstram a incrível plasticidade da forma celular em bactérias e permitem abrir caminho para novos mecanimos moleculares que sejam responsáveis pela forma e a sua aquisição em bactérias.”

Esta descoberta vem na continuação do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido no Laboratório de Biologia Celular Bacteriana do ITQB NOVA. Em 2015, ao estudarem a divisão celular dos cocos S. aureus perceberam que as esferas se alongam ligeiramente antes da divisão celular. Usando um microscópio de super resolução, os investigadores do ITQB NOVA conseguiram descobrir que o Staphylococcus aureus se divide de uma forma diferente da que se pensava até então, resultados publicados na revista Nature Communications.

Para explorar este ligeiro alongamento das bactérias, e perseguindo o sonho de transformar cocos em bastonetes, os investigadores usaram umas bactérias com um gene alterado que tinham isolado em 2012. Nessa altura, numa colaboração com a farmacêutica Merck estavam a estudar o efeito de novos potenciais antibióticos em bactérias resistentes à meticilina que tinham como alvo a proteína FtsZ. A FtsZ é uma proteína do esqueleto celular bacteriano, essencial à divisão celular. Os trabalhos de 2012 demonstraram que um composto capaz de inibir especificamente essa proteina pode ser um bom co-adjuvante de antibióticos clássicos, aumentando assim a taxa de sucesso destes em situações de resistência. Esse trabalho foi publicado na Science Translational Medicine.

Recentemente, ao estudar bactérias mutantes de S. aureus resistentes ao composto que inibe a proteína FtsZ, a estudante de doutoramento Ana Raquel Pereira descobriu quase por acaso que estes mutantes têm a sua forma alterada. E percebeu que isso acontecia sempre que as bactérias tinham o gene mutado para aquela proteína. Foi assim observado pela primeira vez a capacidade de cocos alongarem a sua forma. No artigo científico agora publicado na revista da Sociedade Americana de Microbiologia, os investigadores do ITQB NOVA descrevem o mecanismo biológico para a alteração da morfologia das bactérias.

 

 

Artigo original

mBio 7(5):e00908-16. doi:10.1128/mBio.00908-16

[http://mbio.asm.org/content/7/5/e00908-16]

FtsZ-Dependent Elongation of a Coccoid Bacterium

Ana R. Pereira, Jen Hsin, Ewa Król, Andreia C. Tavares, Pierre Flores, Egbert Hoiczyk, Natalie Ng, Alex Dajkovic, Yves V. Brun, Michael S. VanNieuwenhze, Terry Roemer, Rut Carballido-Lopez, Dirk-Jan Scheffers, Kerwyn Casey Huang, Mariana G. Pinho

 

Sobre a autora principal

Mariana Gomes de Pinho é Professora Associada no ITQB NOVA, onde é investigadora desde 2006, tendo-se focado na divisão celular da bactéria patogénica Staphylococcus aureus. Esta bactéria é uma das principais causas de infecções hospitalares e este laboratório dedica-se ao estudo de mecanismos de resistência deste microorganismo aos antibióticos.

Mariana Gomes de Pinho ganhou 1,6 milhoes de euros do European Research Council em 2012 para continuar este trabalho.


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O Instituto de Tecnologia Química e Biológica, Oeiras, é um instituto de investigação e formação avançada da Universidade Nova de Lisboa. Tem como missão fazer investigação científica e promover formação avançada em Ciências da Vida, Química e Tecnologias associadas, para benefício da saúde humana e do ambiente.


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